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Inferências – Barreiro
É mais fácil desconstruir que construir…

Inferências – Barreiro <br>
É mais fácil desconstruir que construir… Um dia, no decorrer do mandato de Emídio Xavier, PS, nos Paços do Concelho, um técnico do município, chamou-me para me mostrar uns desenhos que transportava numa pasta. Abriu a pasta, espalhou os desenhos sobre uma mesa. Olhei, observei e notei que era o esboço de um estudo, ou projecto, de calçada portuguesa. Perguntou : Gostas? Disse-lhe que sim.

Interroguei sobre o objectivo daquele estudo. Ele, com um sorriso, enorme, a esvoaçar nos seus olhos, disse-me: É a calçada que vamos colocar na Avenida Alfredo da Silva.
E, na verdade, pouco tempo depois, nasceu aquela calçada de folhas, deitadas desde a Praça do Monumento de Malangatana até ao fundo da Avenida Alfredo da Silva, folhas que começam maiores e depois vão reduzindo no seu tamanho, como que indicando o caminho, que conduz do centro da cidade até à paisagem do rio e de Alburrica.

A Avenida Alfredo da Silva, tem essa marca, essa beleza que nasceu e foi inscrita na gestão de Emídio Xavier, e, tendo na área de planeamento Luís Pedro Cerqueira, uma equipa que pensava a importância dos espaços públicos e o seu embelezamento no fazer e pensar o planeamento da cidade. É indissociável planear o território de uma cidade do pensar o território com uma dimensão estética. Uma cidade é para fruir quotidianamente.

E, recordo, que no mandato seguinte, na gestão de Carlos Humberto, CDU, esta forma de pensar e sentir a cidade teve continuidade, mantendo-se essa visão estética no planeamento do espaço urbano, quando do arranque do projecto de reconversão da Avenida Alfredo da Silva. Tem que ser assim, é sempre assim quando, no planear e pensas a cidade, é colocado como prioridade que as pessoas estão primeiro e não para os carros. Por essa razão, no âmbito das obras realizadas dentro de uma estratégia de ligar a cidade ao rio, nessa renovação do centro da cidade, deu-se continuidade ao projecto de calçada portuguesa inscrito na Avenida Alfredo da Silva, nascendo a segunda fase, com o mesmo estilo de elementos decorativos, como se fosse uma fotografia, com o seu positivo e o negativo.

A Avenida Alfredo da Silva foi, pelo que fui sentindo, um primeiro passo para embelezar a cidade, e criar um circuito urbano, no centro da cidade e sua envolvência com o rio, inscrevendo nos passeios a beleza da calçada portuguesa.

Foi assim que senti, quando mais tarde, no âmbito das obras do programa REPARA, na Rua Miguel Pais, na Rua Almirante Rei, no Barreiro velho e Avenida Bento Gonçalves, foi mantida essa estratégia de criar um circuito de passeios com a inscrição da calçada portuguesa.

Uma forma de dar continuidade, uniformidade paisagística, a um rota urbana, com sentido estético e forma de pensar, planear, e construir o espaço urbano, com o embelezamento dos passeios, quer na Avenida Bento Gonçalves, quer na zona da Rua Miguel Pais, com elementos iconográficos ligados ao rio – peixes e gaivotas estilizadas.

A calçada portuguesa embeleza o espaço urbano, inscreve nos lugares e sítios uma marca que, quando caminhamos o nosso olhar deita-se no ritmo das pedras.
Aquele circuito de calçada portuguesa é, de certa forma, um abraço do centro da cidade á sua zona ribeirinha. Tem uma harmonia que é necessária sentir com o coração.
Sinto isso, porque nasci e cresci na minha infância, numa zona ribeirinha, com calçada portuguesa, que existe há mais de 60 anos, e, ainda, nos dias de hoje, lá continua, ligando a cidade ao rio. Aquela calçada portuguesa de peixes e âncoras coloca a cidade no rio e o rio na cidade. Aquela avenida, junto ao rio, não era a mesma coisa sem aquele ritmo da calçada a tocar os passos de quem ali vive e de quem visita.
É uma marca cultural. É uma marca civilizacional. Um calçada feito de signos que são significados da cidade e a sua realidade natural. A calçada portuguesa é património público, aliás, é parte integrante do inventário português, classificada como Património Cultural Imaterial portuguesa, desde o ano 2021.

Foi com surpresa que verifiquei naquela zona, de onde observamos os Moinhos de Alburrica, está a ser retirada a calçada portuguesa e que será substituída por lajes. Uma calçada que foi colocada com o programa REPARA, no final do mandato da gestão de Carlos Humberto.
Fiquei triste. Lamento. Aquele sítio, no futuro, vai ficar mais cinzento, sem aquelas asas de gaivotas a voar nos nossos passos. É pena, porque, aquela foi uma intervenção no espaço público a pensar a cidade e o rio, a colocar as gaivotas a beijar os nosso pés. É poesia, pois que seja, porque uma cidade sem poesia, é uma cidade sem ternura. Aquela calçada era parte integrante de um circuito urbano, que pensava a cidade e o rio.

Agora, o que vai restar são lajetas, iguais a quaisquer lajetas, em qualquer lugar do mundo. É modernidade! É o desconstruir, sim é isso, o desconstruir que é mais fácil, muito mais fácil, que construir.
Todos sabemos que a calçada portuguesa tem custos de manutenção. Mas isso é óbvio! Por essa razão é necessário que sejam criadas as condições para garantir a sua preservação.
O que está a ser feito é uma escolha que se faz entre: ter uma cidade bonita e ter uma cidade feia. Uma cidade que olha para o seu espaço urbano sem uma dimensão estética, paisagística, e, uma cidade que só pensa betão.

António Sousa Pereira
TE – 180
Equiparado a Jornalista

24.09.2024 - 17:05

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