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Inferências – Barreiro
Urbanização Fidalguinhos : da comunicação e do modelo de cidade
Na verdade, se a democracia fica reduzida a fruir o direito de voto, de quatro em quatro anos, então, ela tende a esvaziar-se e a afastar os cidadãos de viver a ação política. Reservando ao poder e aos eleitos o direito de decidir e não escutar os cidadãos no fazer cidade.
Ora, tudo isto ocorreu-me ao pensamento a propósito das conversas e conflitualidades que tenho escutado, por estes dias, a propósito dos projectos que pretendem desenvolver na Urbanização dos Fidalguinhos. Ali, naquela urbanização, nada disto foi feito, o poder político decidiu, porque está nas suas competências, aprovar um projecto de 400 habitações e uma zona comercial que refere como eco-retail. Decidiu. Está decidido. Foi divulgada a informação sobre a implementação do projecto da urbanização dos Fidalguinhos. A população não foi ouvida, não foi esclarecida, porque, afinal, tem sido sempre a forma de fazer política, pelo executivo da “gestão 2830”.
Confundir indignação com contra-informação não valoriza o direito à indignação
Mas, há sempre um mas, a população começou a contestar, a expressar a sua indignação e, nestas coisas, as forças da oposição envolvem-se no processo. O ruído aumenta. E surgem as primeiras respostas ao ruído criticando a indignação, como sendo uma ação de “contra-informação” que estava em marcha na Urbanização dos Fidalguinhos. Fiquei estupefacto. Interroguei-me: para existir contra-informação, tinha que ter existido antes uma informação, coisa que não existiu.
Por essa razão, pensei, quando se confunde indignação com contra-informação, isto, não valoriza o direito à indignação, uma coisa que aprendi com o Presidente da República, Mário Soares, quando promovia as “presidências abertas”. Enfim, mas avancemos.
Um amigo um dia perguntou-me: Eh pá, não escreves nada sobre os Fidalguinhos? Eu respondi: “Que preferia não entrar nesta conversa que está viciada à partida, porque já está tudo decidido”.
Falhanço da estratégia de comunicação municipal
No entanto, um dia destes aqui no Rostos divulgámos a notícia que a União de Freguesias do Barreiro e Lavradio, vai promover uma sessão de esclarecimento sobre os novos projectos da Urbanização dos Fidalguinhos, dando destaque ao facto de ser “um investimento privado de 80 milhões de euros”.
Diga-se que este é um projecto de urbanização cuja responsabilidade politica é da Câmara Municipal do Barreiro e, portanto, seria da competência do município promover esta sessão de esclarecimento.
Foi esta situação que, afinal, motivou a escrever esta minha reflexão. Em primeiro lugar, para recordar a tal frase, tão querida do meu amigo Cabós Gonçalves – “o que é de todos, por todos deve ser decidido”. Ora aqui, que eu saiba, pelo eco das conversas, na Urbanização dos Fidalguinhos, ninguém foi ouvido, nem ninguém consultado para avaliar uma tomada de decisão.
Esta situação vivida em torno da Urbanização dos Fidalguinhos, é, antes de demais, a prova plena do falhanço da estratégia da política de comunicação municipal, que está reduzida à difusão da vida autárquica, sem ter uma visão de envolvimento da população, e, que, apenas, tem como estratégia dar visibilidade à ação politica do executivo municipal, centrada na valorização da imagem da presidência.
A gestão 2830 decidiu está decidido
Mas, neste debate que tem existido em torno da Urbanização dos Fidalguinhos, sobre o qual pouco há fazer, está tudo decidido. A gestão 2830 decidiu está decidido. Um investimento privado de 80 milhões de euros, 400 habitações a custos controlados e um eco-retail.
Pode haver indignação. Pode haver esclarecimentos. Já acredito pouco, mesmo muito pouco, para não dizer nada que, isto vá mudar, que exista alguma possibilidade de parar, esta é mais uma urbanização que se insere na estratégia de betão e do IMI. Duvido, nada vai mudar a estratégia que, desde a primeira hora, tem sido a marca da gestão 2830. O exemplo começou na Quinta Braamcamp, onde já podia existir um amplo espaço de ligação da cidade ao rio, porque existiam aprovados investimentos para tal, e, nos dias de hoje, até com o PRR, outras ideias de centralidade metropolitana podiam ter sido concretizadas. Enfim, para quem gosta tanto de falar em espaços abandonados, em mitos, ali, na Quinta Braamcamp, está, há sete anos, um espaço municipal abandonado.
Arrasamento do complexo desportivo do Grupo Desportivo Fabril
Decidi escrever esta minha reflexão porque, em torno do caso da Urbanização dos Fidalguinhos, porque estes projectos estão indissociáveis do que está previsto para os territórios adjacentes, nomeadamente os terrenos do Grupo Desportivo Fabril que, como é o previsível, ficará reduzido ao estádio Alfredo da Silva e o restante está anunciado o seu total arrasamento para urbanizar. Sim, tudo isto, insere-se na mesma estratégia, a cidade de betão, a cidade do IMI.
Este é o contexto, este é o exemplo pragmático para um debate de todos os partidos políticos, cidadãos e grupos de cidadãos, tendo como eixo central a pergunta : Qual o modelo de cidade que queremos?
É este que nasceu no PDM de 1994, apostando na cidade de betão, num território com cerca de 200 mil habitantes, tão criticado, em tempos, pelas forças da então oposição, e, agora, na modernidade de betão, tem vindo a ser consolidado e ampliado pela gestão 2830, como é, flagrante, neste caso, com aquilo que vai acontecer na zona da Urbanização dos Fidalguinhos?
Pensar a cidade para dormir e consumir
Quando li na informação que divulgava a sessão de esclarecimento sobre os projectos Fidalguinhos, a prioridade dada ao investimento de 80 milhões e, não li, nenhuma nota sobre as ambições de qualidade de vida urbanísticas, sobre a importância de espaços verdes, na melhoria da qualidade da vida quotidiana, recordei as as muitas noticias, as tais que costumam dizer - “Isto é noticia, o Barreiro vai ter um investimento de x milhões”. É isso. Parece, neste tempo que vivemos, de alterações climáticas, de debate sobre relações de vizinhança no fazer cidades, o que conta não é nada disso, o que conta são os milhões de investimentos.
O modelo de urbanização dos Fidalguinhos assenta nisso, no pensar a cidade para dormir e consumir. A habitação e o re-tail. Perde-se a natureza, perde-se a qualidade de vida, mas ganha-se um investimento de 80 milhões.
A cidade marcada pela suburbanidade que disponibiliza mão de obra à capital. Uma cidade que não se quer pensar como parte integrante numa cidade de duas margens, quer continuar a ser a cidade da outra margem “a 15 minutos de Lisboa”. Esta é uma cidade que quer garantir a sua sobrevivência através do IMI, sendo um território, no futuro, marcado pelo betão e sem identidade. Um território suburbano como qualquer noutro na AML.
A cidade que somos, a cidade que queremos?
O meu sonho e esperança é que, eventualmente, o Novo Aeroporto de Lisboa, em Alcochete. A Terceira Travessia do Tejo, a ponte de ligação rodoviária Barreiro- Seixal, assim como a ponte pedonal que integra o circuito ecológico da AML, e, o projecto do Arco Ribeirinho Sul, tudo isto, na verdade, sejam projectos âncora para abrir portas a outro futuro.
Na verdade, caso isto tudo se concretize e seja uma realidade, tudo isto pode abrir portas, para darmos a volta, à cidade de betão, e, neste território que temos, o qual em grande parte dependente de decisões do Poder Central, possamos lançar as raízes para nascer um novo modelo de cidade que seja para viver, fruir e trabalhar.
Estes temas sim, deviam ser uma prioridade da agenda politica do Poder Local, colocar estes temas nos diálogo com os governos, sejam eles quais sejam, como fizeram Emídio Xavier e Carlos Humberto.
Mas, se tudo isto for uma mera utopia, então, dou razão à gestão 2830, continuar com esta sua estratégia da cidade para dormir e consumir.
Em conclusão, em torno dos projectos dos Fidalguinhos, já decididos, o que gostava de ver entrar no debate político local era isso, isso mesmo – a cidade que somos, a cidade que queremos?
António Sousa Pereira
TE – 180
Equiparado a Jornalista
29.11.2024 - 18:53
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