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Inferências - O 25 de Abril é indissociável da luta pela Liberdade, património imaterial do Barreiro!
Por António Sousa Pereira

Inferências - O 25 de Abril é indissociável da luta pela Liberdade, património imaterial do Barreiro!<br />
Por António Sousa Pereira Em tempos idos, quando era convidado para ir conversar com os alunos das escolas sobre o 25 de abril, por diversas vezes, começava esses encontros escutando os sons da “cantilena” de Francisco Fanhais. Recordava, aos meninos e meninas, que aquele senhor que estava a cantar tinha sido um Padre. Ele tinha exercido a sua missão numa Igreja no Barreiro.

Eles escutavam em silêncio e depois conversávamos um pouco sobre a música que tinham acabado de ouvir : “cortaram as asas ao rouxinol, rouxinol sem asas não pode voar”, ou “quebraram o bico ao rouxinol, o rouxinol sem bico não pode cantar”. O direito de falar em liberdade. Hoje, a propósito de comentários que tenho lido nas redes sociais, ocorreu-me esta canção e o sentimento que ela, na verdade, faz parte do “património imaterial do Barreiro”.

Recordei, igualmente, conversas que, já um dia por aqui as escrevi, que mantive com o Padre Rodrigo – um dos padres operários do Lavradio – com quem antes do 25 de abril conversei sobre a guerra colonial e a luta pela liberdade. Foi o primeiro padre de quem escutei a sua indignação contra o fascismo. Esta luta e resistência que faz, também, parte do património imaterial do Barreiro.

E recordei, conversas com o Ti’ Manuel Cabanas, e, aquele dia no Teatro Cine Barreirense, numa sessão evocativa do 5 de outubro em 1973, antes do 25 de Abril, quando ele ergueu a sua voz a pedir um minuto de silêncio em memória de Catarina Eufémia. E ao som da rouquidão da sua voz, aquela multidão que enchia a sala ergueu-se, de pé, num gesto de coragem e dignidade, em silêncio! O GNR por trás da mesa a controlar a sessão, não sei se corou, mas sei que ficou impávido. Eu estava de pé, ao lado do Ti Manel Cabanas, um socialista convicto. Um homem cuja vida faz parte do património imaterial do Barreiro, na luta pela democracia e Liberdade.

Recordei, conversas com o Ti Flávio Alves, um dos homens preso pela PIDE, que colocou uma das bandeiras vermelhas nas chaminés do Barreiro. Um comunista do coração. Um homem cujos actos fazem parte do património imaterial do Barreiro, dessa resistência, dessa luta, feita por muitos que sonharam com o 25 de Abril, que se ergueram contra a ditadura. Foram 424 os presos políticos do Barreiro, diz-se, e, todos eles, são uma referência histórica inscrita no poema de Manuel Alegre, aquele em que o poeta recorda – Há greve no Barreiro!

E recordo, uma conversa com o Doutor Agostinho, quando fui com ele membro da Mesa da Assembleia Geral da Santa Casa da Misericórdia, um homem que exercia a função de Delegado de Saúde e, à noite, secretamente, quando solicitado ia às casas clandestinas do PCP, prestar serviços médicos a militantes da clandestinidade. Esta uma memória, entre muitas, de um povo, de uma comunidade, vigiada, pela policia politica, que escutava pelas manhãs os cascos dos cavalos da GNR nas ruas da vila operária. Um património imaterial inesquecivel.

Tudo isto é a memória de um povo, de uma luta de muitos homens e mulheres, que amaram e viveram a Liberdade no coração dos dias, em notes negras de solidão, resistindo e amando o futuro.

Tudo isto, e muito mais, é uma história longa, de muitas gerações, uma história por fazer, feita por comunistas, anarquistas, socialistas, católicos, cristãos, sem religião, sem partido, republicanos, homens e mulheres que sabiam honrar as heranças do seus pais e avós – o imenso património imaterial que colocou, sem dúvida, o Barreiro na história de Portugal, nas lutas pela Liberdade e democracia.

A luta pela Liberdade, no meu país, é indissociável da palavra BARREIRO. Ser do Barreiro era ser um lutador pela cultura de Liberdde e pela democracia. Foi isso que aprendi nesta terra. talvez por isso sou irreverente. Fui sempre irreverente.
“Antes do 25 de Abril, quando ia a qualquer lado eu tinha orgulho em dizer : Eu sou do Barreiro”, dizia-me o Álvaro Rosa, um empresário e membro do Rotary Club do Barreiro, com a consciência que estava a dizer que era um homem livre.

Recordo tudo isto a propósito das conversas que tenho lido pelas redes sociais, nos últimos dias, a propósito das comemorações do 25 de Abril.
Recordo para quem não sabe, ou que tudo faz para esquecer e quer apagar essa realidade que o Barreiro tem uma memória e tem uma cultura, um património imaterial, que está inscrito no coração de muitos barreirenses, na luta de muitas gerações, de homens e mulheres nascidos ou não nesta cidade.

Um património imaterial que se se escreve com a palavra DIGNIDADE!

Não se desconstrói, nem se apaga a memória de uma comunidade, inscrita com lágrimas e dor, no Tarrafal, em Peniche, em Caxias, no Aljube, nas cadeias do Porto, nas torturas da António Maria Cardoso, na Guerra de Espanha, não, não se desconstrói a memória.
O problema é que existe uma ignorância provinciana, cosmopolita, bacoca, politiqueira, de tactiscismos de circunstãncia que confunde a árvore com a floresta. O 25 de abril é património imaterial desta cidade, com Zeca Afonso, com Fanhais, com Odete Santos, com Manuel Cabanas, com Conceição Matos, com a Ti Pintainha, com Agostinho Nunes, com todos, muitos ignorados ou desconhecidos, que sentiram o despedimento, a perseguição. Amaram a Liberdade!

Recordo tudo isto, hoje, ao final do dia, imaginando a próxima noite de celebração do 25 de Abril, nas narrativas, nas bolhas mediáticas, nas percepções, que no dia seguinte vão encher as redes sociais.
Por exemplo, imaginei que poderá circular este discurso: “Nunca até aos dias de hoje, tanta gente se juntou para comemorar o 25 de Abril no Barreiro. Esta multidão de mais de 10 mil pessoas é coisa que única. Vivemos um dia histórico. Escrevemos hoje uma página da história do 25 de abril e da Liberdade. Esta noite vivemos a maior festa do 25 de abril de sempre, aqui, no Largo da festa do Barreiro. O 25 de Abril é festa!”

E, ao, imaginar esta narrativa, recordei os dias das Festas do Barreiro, que viveu essa enorme multidão, as e os fãs, vindos de todo o lado, do Seixal, de Almada, da Moita, de Setúbal, de Lisboa. Dizia-se mesmo, as filas de carros estendiam-se até ao campo do Galitos. E, obviamente, essa multidão vai voltar, para viver com alegria e paixão o concerto da música que amam, e, assim, ajudam a escrever uma página da história, essa que ficará como o maior encontro vivido no Barreiro para celebrar o 25 de Abril. Aliás, só poderá ser comparado, minimamenbte, com a Ginja do Marcelo.

Que festejem Abril. Que escrevam a história que querem escrever. Uma coisa tenho a certeza o património imaterial do Barreiro de luta pela Liberdade e Democracia, esse, vai continuar a florir nos cravos que está no coração de muitos homens e mulheres. Aliás, é esse sentimento que tenho sentido nas redes sociais, vindo de comunistas, socialistas, sociais democratas, bloquistas, sem partido, pessoas de outros partidos, com religião e sem religião. Muitas são pessoas que conheço e sei que, mesmo sendo do PS ou PSD, têm orgulho na memória e no legado que receberam dos seus avós, pais e familiares.

Por isso, apenas por isso, pela palavra Abril, pelo direito a ter saudades do futuro, hoje, ao final do dia, escrevi este texto, e digo bem alto : O 25 de Abril é indissociável da luta pela Liberdade, que é património imaterial do Barreiro!
Pelos ventos que sopram nos tempos de hoje pelo mundo, talvez, um dia seja tarde para abraçar o amor ao futuro!
Ah, é verdade, não cortem as asas ao rouxinol!

António Sousa Pereira
TE – 180
Equiparado a Jornalista

06.04.2025 - 12:34

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