opinião

Quando amar faz adoecer.
Por Alexandra Serra
Sesimbra

Quando amar faz adoecer.<br />
Por Alexandra Serra <br />
Sesimbra Mulheres que cresceram numa família disfuncional, com baixa autoestima e que procuram o conto de fadas. Por norma, este é o perfil de quem ama demais.
Amar demasiado não existe pelo simples motivo de que o amor não se mede. Mas há, sim, relações disfuncionais, nas quais a pessoa perde-se para o outro.

Falamos, neste caso, de mulheres com baixa autoestima e que possivelmente terão recebido pouco afeto na infância. Que vivem em constante desamor e que colocam-se, inconscientemente, disponíveis para relações impossíveis ou até mesmo destrutivas, numa procura incessante pelo “conto de fadas”; no currículo têm amores proibidos, clandestinos, violentos ou manipuladores. Mulheres que, regra geral, são inteligentes, fortes e bem-sucedidas profissionalmente.
Acima de tudo, a nossa felicidade não é alcançada com o outro e o outro não pode servir para me completar, mas sim complementar.
Amar demasiado é uma forma que arranjámos, para não estigmatizarmos as mulheres que sofrem com este gostar disfuncional esta co dependência.

Descrição da mulher que ama demasiado?

Normalmente são mulheres que não se amam a elas próprias. Na maior parte das vezes, é formado logo na própria infância, no sentido em que as mulheres crescem numa relação onde emocionalmente não foram consideradas, o carinho por parte dos pais foi pouco, ter existido mais crítica do que elogio… uma falta de amor. Como não estão em comunhão com esse amor, procuram que os pais as amem, procuram ser perfeitas aos olhos deles. Muitas vezes transformam-se em mulheres de sucesso profissional porque são muito exigentes com elas mesmas buscam a perfeição pois querem ser amadas.
Como é que elas se põem a jeito para estas relações disfuncionais? Elas não escolhem, isto não é um processo de escolha consciente. Simplesmente quando surge alguém que pode ser um namorado funcional — uma pessoa que pode permitir ter uma relação saudável — elas nem se apercebem. Não valorizam e acabam por se submeter a relações disfuncionais sempre na esperança de poderem mudar, através do amor, a outra pessoa. Vamos imaginar que uma mulher destas conhece uma pessoa que a ama verdadeiramente e que a trata bem, a relação provavelmente nem vai resultar porque a mulher não tem contacto com estas emoções positivas. As mulheres que amam demais acham que o amor é sinónimo de dor. Então, quando surgem alguém que lhes dá prazer e não dor e que as faz sentir alguma felicidade, acabam por se retirar da relação. Porque não têm contacto com aquela emoção, aquilo é o desconhecido.

Qual é a importância do pai enquanto figura masculina?

O pai é o primeiro exemplo que surge na vida da mulher, é o primeiro exemplo com o qual a mulher tem contacto. E o primeiro homem a dar
Quando se diz que a mulher procura um parceiro semelhante ao pai, muitas vezes tem que ver com as mulheres que vão tentar transformar o parceiro naquilo que não conseguiram transformar o pai (e também a mãe). Mas quando temos um pai que é exigente, que dá pouco afeto, esta mulher vai crescer com carência emocional e vai procurar isso no companheiro. Vai tentar mudar o companheiro como não conseguiu mudar o pai. É inconsciente e é uma necessidade emocional.
O que é um amor “desajustado” e “disfuncional”?
Corresponde às mulheres que acham que estão a sofrer por amor, que sentem que não são amadas da forma como queriam e que vivem constantemente em relações que consideram ser destrutivas e impossíveis. Não falamos só de mulheres que são maltratadas, embora, muitas vezes, as mulheres que “amam demais” estão associadas às vítimas de violência doméstica. No fundo, são pessoas que se maltratam e que se deixam maltratar emocional e psicologicamente. Procuram um amor impossível, aquele do conto de fadas.

Porque é que a mulher, dá tanta importância ao conceito do amor?

Desde pequenas, somos educadas nesse sentido. Atualmente, as coisas estão um pouco diferentes, mas se olharmos para as nossas avós e para as nossas mães vemos que elas cresceram com a ideia de ter uma família, de ter filhos. Isso foi-nos inculcado. Mas não é só a questão cultural, em que outrora os homens iam trabalhar e as mulheres ficavam em casa a tomar conta dos filhos, tem igualmente que ver com as histórias que nós ouvimos desde pequenas. No fundo, todas sonhamos em ter um conto de fadas, ter o nosso príncipe encantado e o “viveram felizes para sempre”. Consideramos demasiado as relações.
Eu acho que é bom sonhar, Não vejo o conto de fadas como um inimigo, mas não é uma realidade. É preciso saber que há uma continuidade a partir do “viveram felizes para sempre” que nos é transmitido. O “viveram felizes para sempre” não traz o acordar de manhã despenteado, os chinelos que ficaram fora do sítio, as contas que existem por pagar, as dificuldades que se vão encontrando no dia a dia devido às diferenças de cada um. Então, quando nos confrontamos com a realidade, quando começamos a ver que o nosso príncipe afinal tem coisas que não nos agradam, muitas vezes não conseguimos lidar com isso e acabamos por desistir um pouco das relações ou, então, a vivê-las em sofrimento. Mas, na maior parte das vezes, até há solução dentro da própria relação, o que acontece é que as pessoas não têm bem noção do que isso é, ficam-se um pouco pelos contos de fadas e aí, sim, concordo que eles nos podem prejudicar. A ideia em causa é alimentada através de várias formas. No fundo, tentam transmitir-nos que o amor é com um conto de fadas… São as telenovelas, os filmes, os livros, que nos mostram um amor muito idealizado e que, muitas vezes, foge à realidade. É quase como se nos dissessem que isso é que é amar.

As mulheres estão mais dispostas a sofrer por amor do que os homens?

Acho que sim, se bem que os homens também sofrem muito por amor. Os homens não falam tanto de amor, não foram educados nesse sentido. Nós, enquanto mulheres, falamos desde muito cedo umas com as outras dos namorados e dos rapazes… Os rapazes não.. Mas isto é algo que afeta também os homens e o mecanismo que está por detrás é o mesmo.
E o amor depois dos filhos?
Uma relação exige, acima de tudo, cedências. O casal que está muito apaixonado ao início… com o tempo isso vai dando lugar a amizade e companheirismo, o que, no fundo, é o amor. A paixão dá lugar ao amor. O que podemos esperar de uma relação com o passar do tempo? Podemos esperar uma confiança mútua, segurança, o querer estar com a pessoa sem ser com aquelas borboletas na barriga, porque isso desaparece. As relações são feitas de momentos. Quando termina a magia não significa que a relação terminou. Podemos ter chegado ao amor e não sabermos o que isso é? Mas se sentirmos que não queremos estar com aquela pessoa, que já nada nos faz sentido ou que já não há os mesmos objetivos — o cheiro já incomoda, o toque que é indiferente e já não há preocupação um com o outro –, se calhar aí é melhor repensar a relação. Agora se a magia acabou e fica a admiração, o carinho, a tesao… é o amor, a relação instalou-se.
Antes de qualquer coisa amem-se e não esqueçam o amor não causa dor.

Alexandra Serra

04.05.2023 - 17:05

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