opinião
ISTO PODIA SER ASSIM, «UM BARREIRO MAIS VERDE»
Por Miguel Ribeiro Amado
Barreiro
Se ontem era o melhor dia para plantar uma árvore, hoje é o segundo melhor dia.
Qualquer processo de mudança para ser eficaz necessita logo à partida de conhecer a realidade existente e o contexto que o rodeia, numa base de análise técnica. Numa segunda fase, necessita de unir esforços na construção de uma visão comum, num compromisso justo e realista para que possa gerar uma estratégia comum e duradoura.
Essa estratégia estipulará os objetivos, as fases, os prazos e terá ainda um processo de monitorização. Constituir-se-á assim como uma sólida ferramenta para apoio à decisão e à determinação das ações a tomar a curto, médio prazo e longo prazo.
Focando no tema das alterações climáticas e o seu impacto no concelho, nomeadamente no combate às ilhas de calor, o concelho do Barreiro, tem vindo a desenvolver algumas estratégias, particularmente na criação de bacias de retenção de águas, requalificação de espaços verdes, criação de corredores verdes, preservação e manutenção da mata da machada, no rigor dos processos de alteração do uso dos solos, limitando as áreas urbanizáveis ao mínimo necessário e entre outras. Realidade essa, que é um bom ponto de partida para a diminuição do risco de exposição às alterações climáticas.
Daí, face a este contexto, penso que podemos dividir estas medidas de resposta em dois tipos: medidas imediatas e medidas futuras. É claro que as medidas mais eficazes, têm por norma, um custo maior o que se traduz num impacto mais significativo no orçamento anual do concelho, nomeadamente as requalificações de espaços verdes. As medidas futuras, são menos onerosas no imediato, mas mais eficazes a longo prazo, das quais é exemplo a delimitação de corredores verdes.
Na análise dos instrumentos urbanísticos hoje em vigor e das ações possíveis de implementar, a cidade dispõe da carta de Reserva Ecológica Nacional, onde apresenta as áreas vitais para o funcionamento ecológico do concelho. Essa carta identifica e delimita um conjunto de áreas sensíveis ao longo do território.
Os espaços verdes no concelho correspondem a cerca de 46.652 m2 do total território, onde normalmente incorporam árvores que têm um papel de micro regularização do clima e da retenção de dióxido de carbono.
Existem algumas medidas de monitorização, nomeadamente da qualidade do ar, realizadas em duas subestações localizadas pela cidade, as quais apresentam, de acordo o meteooblue, uma evolução da temperatura média da cidade nos últimos anos que tendencialmente tem vindo aumentar.
Constata-se, também, que nos últimos registos de temperatura, em 2023 a cidade atingiu nos meses do verão a temperatura de 39 graus, sendo que 52 dias dos meses de junho a setembro verificaram-se temperaturas superiores a 30 graus.
Esta situação tem repercussões diretas na qualidade de vida da população, na medida que afetam o uso dos espaços urbanos, o consumo de energia ligado à utilização de equipamentos para mitigar os picos de calor, e por fim, na saúde da população.
Posto isto, e mesmo na base de uma análise simplista, podemos considerar um tema importante a refletir.
Constata-se que a cidade pode, caso se pretenda, adotar medidas para a criação de instrumentos que possibilitem reforçar e criar um ecossistema, mais resiliente, preparado para a adaptação às alterações climáticas, através da diminuição das condições para que se originem ilhas de calor, que têm impacto na qualidade de vida da população e no ambiente.
Isto podia ser assim... uma cidade com uma visão estratégica que implemente políticas para um processo de planeamento tendo como base princípios e conceitos de smartcities, num contexto de sustentabilidade ambiental em resultado da avaliação e antecipação das ações.
O município poderia ampliar o raio de ação e o seu papel do atual plano de resiliência às alterações climáticas. Ao incorporar novas medidas e estabelecer uma maior correlação com o Plano Diretor Municipal, em revisão. Esse plano, seria composto por um conjunto de políticas, já existentes e outras novas, como a criação de corredores verdes vitais municipais, que contribuíram para a renovação do ar e o equilíbrio entre a fauna, a flora e a atividade humana. Outra medida seria a implementação de parâmetros urbanísticos associados a um fundo ambiental, à semelhança do que acontece com as cedências obrigatórias de espaços verdes coletivos previstos no PDM. A ideia seria, a criação de um novo parâmetro relacionado com a construção nova, que indexa a plantação de árvores ou o pagamento de uma verba destinada à sua plantação, mesmo noutro local da cidade, por exemplo, por cada 10 m2 de construção ocorra a obrigatoriedade de plantação de 2 árvores.
Poderia ser criado um plano de arborização do município, que responda às necessidades de melhoria da qualidade do ar e do ambienta urbano, com à criação dos corredores vitais municipais, em complemento dos corredores verdes já existentes. A sua definição prevê o recurso a uma análise do existente, da sua influência, e ao impacto sob a qualidade do ar e da temperatura no ambiente construído.
As ações poderão passar pela criação de novos pontos de monitorização da qualidade do ar e da temperatura, e pela criação de novos parques verdes estratégicos e áreas verdes de enquadramento, para uma maior cobertura em todo o município.
É sabido que para a mudança e o financiamento de medidas deste tipo, é necessário a alteração do paradigma instalado. A importância dos resultados que daí pode resultar, conduz a que se insista na disseminação das iniciativas junto das camadas da população mais jovem para que estes se envolvam na procura de resultadas das medidas.
Deste modo, poder-se-ia começar pela replantação de árvores em caleiras existentes, que hoje não tem nenhuma árvore. Esta medida teria uma operacionalidade e impacto imediato e com um custo reduzido, seguindo-se a criação de uma base de informação sobre o tipo de árvores e a medição da sua evolução e contributo para o ambiente.
Outra medida, poderá passar pela substituição de lugares de estacionamento dando lugar a novos espaços com árvores, que vai ao encontro do paradigma da mobilidade partilhada, que irá reduzir o número de veículos e devolver o espaço útil às cidades.
Ora vejamos, se 1 lugar de estacionamento, tem por normal 5 metros de comprimento e uma árvore necessita de pelo menos de 1 metros de comprimento em caldeira, por cada estacionamento removido iríamos conseguir introduzir 5 árvores, ou seja, se eliminármos na cidade 100 lugares de estacionamento, ao longo de toda a cidade, teríamos um incremento de 500 árvores. Na mesma ordem de ideias, se cada árvore gerar aproximadamente 2 m2 de sombra, teríamos um aumento de 1.000 m2 de sombra, atuando na diminuição do impacto da exposição solar sobre a superfície do território, controlando a temperatura ambiente.
Acresce que uma arvore absorve aproximadamente 10 Kg de CO2 por ano, estas 500 árvores iriam absorver 5.000 Kg de CO2 anualmente, diminuindo o impacto do efeito de estufa a nível local.
Não se conhecendo o número total de árvores existentes em todo o concelho, no entanto, de acordo com a informação disponível na CM Barreiro, no período compreendido entre 2009 e 2013 foram plantadas 1.246 árvores, e entre 2018 e o ano 2022 foram plantadas 2.101, sendo que o valor mais alto de plantações registado foi de 366 árvores no ano de 2010 e o menor de 154 em 2013. Torna-se possível verificar que existe um saldo positivo entre plantações e abate de árvores, que francamente é bom, mas penso que ainda é muito potencial de melhoria.
Numa possível aplicação de um exercício simplista, focando por exemplo uma rua estruturante do concelho, a Rua Miguel Bombarda, que corresponde a uma das artérias principais da cidade, com um grande número de tráfego automóvel, seria espectável, que à partida, seja considerada como uma via prioritária a intervir, devido a sua maior suscetibilidade à poluição.
Esta secção contém 22 árvores ao longo de 1.156 m, entre o Barreiro Velho e a rotunda dos Fuzileiros. Nesta via existem aproximadamente 100 lugares de estacionamento. Na eventualidade de removermos 20 lugares e introduzirmos 100 árvores iriamos ter um incremento de 200 m2 de sombra e um aumento em 1.000 Kg de CO2 filtrado. O que conduziria a um aumento de 354% no número de árvores, em m2 de sombra e em kg filtrado de ar, em comparação à situação existente atualmente.
Considerando, ainda, que só existem no território as árvores que foram plantadas no ano de 2013, esta pequena intervenção, corresponderia a um aumento de 64% do número de árvores plantadas num ano.
Quanto ao custo de investimento desta ideia, caso cada intervenção, de remoção do pavimento existente, criação de uma caleira, aquisição de terra vegetal e introdução de árvores for de 200€/m2 e presumindo que cada caleira irá ocupar aproximadamente 1 m2, o custo da intervenção seria aproximadamente de 20 mil euros. Se dividimos este custo, pelos habitantes das duas freguesias afetadas por este troço da Rua Miguel Bombarda, que é de 63 636 pessoas, perfaz um investimento de 0,31 € por habitante. De facto, poderá ter um impacto insignificante no plano de investimento do município.
Esta medida poderia ser efetuada, numa fase inicial, sem ter que reperfilar vias, alterar passeios, e numa segunda intervenção proceder à alteração das restantes partes que constituem hoje o espaço público da cidade.
Estas medidas iniciais, iriam contribuir para uma redução, a um curto prazo, da temperatura do município, em simultâneo promover a melhor qualidade do ar, pelo processo de filtragem do CO2, melhorando a qualidade de vida da população, com resultados a longo prazo para a melhoria da saúde dos Barreirenses.
Em síntese, este conjunto de medidas poderão ser o ponto de partida para a melhoria bioclimática do espaço público construído do Barreiro, criando um ambiente mais saudável, atrativo e propicio à vida em comunidade.
Isto podia ser assim, podemos mudar, podemos melhorar e vamos agir.
Fevereiro, 2024
Miguel Ribeiro Amado
Arquiteto e Urbanista
13.02.2024 - 23:39
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