opinião

TUDO É RIO, de Carla Madeira
Por Ana Gonçalves
Barreiro

TUDO É RIO, de Carla Madeira<br />
Por   Ana Gonçalves<br />
Barreiro A leitura de “Tudo é Rio”, de Carla Madeira, foi um duplo desafio, depois de ter afirmado que não leria este livro devido a alguns comentários menos positivos. Ao fazer parte de um Clube de Leitura que elegeu este livro como o principal para debater em fevereiro, aceitei, mesmo estando reticente, pois não me cativava o facto de ser demasiado comercial e ainda de ser de uma autora que não conhecida.

O título? Esse deixava adivinhar a metáfora, mesmo antes de avançar para a primeira página, de que tudo passa, tudo corre como um rio e é lavado por essa água que nunca é a mesma, correndo umas vezes mais lenta outras mais rapidamente, mas que limpa tudo.

Foi uma completa surpresa! Logo nas primeiras páginas pensei que estaria a perder tempo a ler um livro com linguagem nua e crua, sem pudor, por vezes obscena, com a qual não me identificava nada. Desafiei-me… disseram-me para o ler de mente aberta. Acedi. Continuei a leitura e a primeira impressão foi mudando, na tentativa de perceber melhor a história de duas pessoas que se tinham separado por um acontecimento irresponsável e desmedido que teria levado à morte do primeiro filho, logo após o seu nascimento. Nada fazia prever que no meio de tanto amor pudesse haver espaço para a violência.

A história das personagens é isso mesmo, só uma história, que dificilmente seria verdadeira em muitas das situações descritas, contudo, depois, a linguagem passa a ser demasiado bela, poética até, e vemo-nos obrigados a avançar para conhecer o fim.
Acompanhamos de perto a vida de Dalva, a menina que adorava animais, protetora, que cresce e se torna mulher, depois mãe. Os costumes e as conversas da família em que crescera transmitem paz, tranquilidade, sabedoria. Venâncio, o amor da sua vida, cumpre a pior pena pelos atos cometidos, é atormentado pelo sentimento de culpa e pela indiferença da sua mulher. Surge ainda Lucy, uma mulher sem pudor, desmedida, convencida, prostituta, que pretende ter, a todo o custo, este homem, eternamente apaixonado por Dalva, só porque ousou mostrar indiferença aos seus caprichos e seduções. A sua insistência na concretização deste desejo chega a ser doentia.

Não sendo o tipo de leitura que prefiro, fiquei agradavelmente surpreendida com a construção da narrativa e a escolha das palavras, que se juntam de forma harmoniosa, melódica, metafórica, para dar cor a um sentimento de profunda tristeza que teima em caminhar para brilho, para a luz, para a alegria de viver e amar. São várias as definições de amor com que nos vamos deparando, todas elas cheias de sabedoria, verdadeiras. Chegamos, inevitavelmente, ao perdão, que só faz sentido na construção da vida destas três personagens principais. Numa vivência real, seria muito difícil compreendermos e aceitarmos o desfecho escolhido.
Assim que terminei a leitura, voltei ao prefácio e reli as palavras de Cruz Guerra sobre a autora: “A Carla não escreve, borda. Cada frase mais sublinhada que outra”. Não diria melhor!

Se alguém se desafiar a ler o livro, que o faça sem preconceitos iniciais, talvez tenha uma boa surpresa.

Ana Gonçalves
Professora do Agrupamento de Escolas de Casquilhos

04.03.2024 - 00:35

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