opinião

A Dificuldade em Questionar "Porquê"?
Por Ivo Pereira
Barreiro

A Dificuldade em Questionar Por Ivo Pereira
Barreiro"> Nas últimas semanas, tenho ouvido falar muito de política em contexto de consulta.

É normal, ao longo dos tempos, por vezes, surgirem desabafos nos quais a pessoa se sente prejudicada, seja por deliberações de um ou outro partido que impactam consigo; seja por se sentirem de alguma forma perseguidas na sua ideologia ou até por um profundo sentimento de injustiça.

Mas nunca me tinha deparado com a quantidade de pessoas que num tão curto espaço de tempo, trouxe temas políticos para a sessão.

E em conversa com colegas meus, a tendência parece ser idêntica.

Não tenho aqui por intenção fazer qualquer acusação ou apontar dedos a quem quer que seja. Aliás, a proposta que deixo hoje é até bem contrária a isso.

Os relatos que tenho ouvido vêm de toda e qualquer cor política, assim como provêm de origens que vão desde o mais humilde ao bastante confortável.

E alguns, trazem consigo um sentimento de vergonha, de quem receia perseguição e julgamento imediato. E trazem ansiedades, sentimentos de auto-depreciação, sentem-se traidores de si mesmos no seu âmago.

Quando vemos alguém que sempre fora de direita a dizer que se sentiu obrigado na sua consciência a votar num partido de esquerda, ou até quando vemos alguém da comunidade LGBTQ+ a votar num partido de extrema direita, não deveríamos assumir que a pessoa é desprovida de inteligência ou juízo crítico, nem sequer "uma traidora" ou "mostrou as suas verdadeiras cores"... Estas frases só antagonizam, criam distância e alimentam um sentimento de revolta.
Mas são frases fáceis de dizer, não é? Para justificarmos a nós mesmos que nós é que estamos certos. E com isto, facilmente catalogamos os outros de “Inimigos”, estão contra nós e contra o nosso modo de vida que, esse sim, é o único correto.

O que é difícil, é procurar entender e ainda mais difícil é, procurar oferecer respostas adequadas.

Deveríamos talvez sim, questionar. Perguntar "Porquê" e ouvir. Ouvir sem julgamentos ou preconceitos e procurar entender que aquelas pessoas são talvez alguém cuja mágoa os impeliu a votar em quem lhes parecia dar uma resposta que mais ninguém queria dar ou sequer abordar, ainda que saibam conscientemente que outras das propostas desse partido lhes oferece também muita contrariedade.

Uma das pessoas que acompanho da comunidade LGBTQ+ (e escrevo estas linhas com o seu consentimento e revisão), confessou ter votado num partido de extrema direita. Fê-lo a chorar. Diz ter plena noção de que é um partido que não quer reconhecer os seus direitos enquanto pessoa trans: "Sinto uma agonia contra mim por tê-lo feito. Mas a verdade é que eu sei quem sou e o que sou e isso não vai mudar. Se vão mudar os meus direitos para pior? É possível que sim. Mas quero acreditar com o crescimento que temos tido, que o que percamos, será recuperado."
Os motivos pelos quais a pessoa votou, na sua consciência, não vou aqui colocar. Mas são legítimos para esta pessoa. São inteiramente legítimos para a sua história de vida, não enquanto pessoa LGBTQ+ mas sim, enquanto Pessoa que passou e passa por muito.

Do outro lado do espectro, uma pessoa que é militante de um partido de direita, decidiu votar na esquerda, como que num acto de vingança por se sentir traído e desiludido.

Estas pessoas não necessitam de ostracização ou julgamento. Necessitam sim, de ser ouvidas e compreendidas.

Se há quem vote em partidos cuja ideologia não segue o mesmo rumo que vocês? Se há quem vote sem qualquer consciência ou por motivos puramente egoístas e desprovidos de informação? Certamente que haverá.

Mas também há quem vote sem fidelidade política e muito menos partidária, porque sentem que há alguém que lhes oferece uma resposta quando mais ninguém o faz.

E isso, deveria ser uma oportunidade para aprendermos. Aprender que há respostas que precisam de ser dadas e aprender a dá-las de um modo adequando e dignificante.

Assim, lanço esse desafio. Ao invés de acusar o outro, de apontar o dedo, que tal aprender a questionar?

Pela sua saúde mental.

Ivo Pereira
Psicólogo Clínico

25.03.2024 - 11:33

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