opinião
Abril mora na avenida
Por João Freire
Moita

Um meio rural, subitamente empurrado para os consórcios fabris, seria uma metáfora ajustada à própria geografia do território, onde o fim da lezíria se precipita nos aglomerados suburbanos que suportavam a antiga CUF e muitas outras fábricas.
Historicamente também foi terra de destino de migrações, primeiro de gentes vindas do Alentejo, das Beiras, que fugiam à miséria dos campos e à repressão dos latifúndios e mais tarde, vindos de África e da Índia, na mesma procura de uma vida melhor.
É fácil compreender, por isso, não só a heterogeneidade das populações que aqui habitam, mas também que lhes pulse no sangue uma cultura e identidade que tem no 25 de abril (o de 1974, os posteriores e os vindouros) uma das suas maiores celebrações. Antes, durante e depois, por largas décadas, a Moita foi deixando de ser “do Ribatejo” para ser das suas gentes, das suas coletividades, dos seus novos bairros, onde a toponímia e o ordenamento urbano insistiram em manter viva a memória da resistência e da luta. Deixar de ser “do Ribatejo” não foi por abandono da identidade rural, mas sim por emancipação do trabalho escravo dos campos e da medíocre propaganda salazarista que tentava mascarar a miséria numa suposta etnografia das províncias.
Celebrar abril é celebrar o concelho, é celebrar a vila que lhe dá o nome. E tão bem estaríamos, como estivemos durante décadas, se este texto terminasse aqui, com um apelo à participação em todas as comemorações do Dia da Liberdade. Mas não termina e por isso o escrevo.
Em 2021, com as eleições autárquicas, uma nova força política assume o comando do executivo municipal. Uma força alegadamente de esquerda, que rapidamente se provou tão ou mais reacionária que as forças “independentes” com que se coligou. Uma força que prometia mudança, inovação, um mundo novo para o concelho. E também em abril de 2022 essa força se mostrou nova: dissuasão, difamação, boicote, proibição, cartazes arrancados. 3 anos de agressões sucessivas ao tradicional desfile do 25 de abril pela Avenida!
No ano passado, pelo 50º aniversário da revolução, para tentarem não mostrar muito as garras, deram o dito por não dito e alguma da cavalaria desta “força” participou no desfile: não sei se por vergonha, se para parecer bem na fotografia ou se porque se tornou tão evidente a divisão grave que o partido no poder mostra, incapaz de esconder a perseguição e silêncio a que os próprios militantes estão sujeitos.
Na freguesia onde vivo, na vila da Moita, também o poder local parece incapaz de ter uma voz autónoma e ativa, ainda que noutros campos a sua dissidência seja conhecida. Gostaria muito que o executivo da junta se posicionasse, participasse, defendesse o desfile e a celebração do 25 de abril pela profunda manifestação cultural que representa. Gostaria que todas as forças políticas democráticas integrassem o desfile, a par dos cidadãos, coletividades e que esta terra voltasse a celebrar o Dia da Liberdade com a mesma convicção com que lutou por ela e com a mesma alegria que sempre a festejou.
Bem sei que alguns dirão que o desfile está partidarizado e que a sua defesa (assim como esta notícia) não são mais que o PCP a tentar manter o seu poder. Enganem-se. O desfile, o 25 de abril, a sua celebração, tem muitos comunistas como obreiros, não tivesse este partido sido a vanguarda da resistência antifascista. Mas nesta terra, celebrar abril está muito para lá da vida partidária. Abril é de todos, sempre se fez e sempre se fará com todos!
Celebrar abril e desfilar no dia 25 pela avenida é lembrar os operários, os trabalhadores rurais, os migrantes, os homens e mulheres que antes, durante e depois, construíram esta terra, pela força dos seus braços e da sua coragem, contra uns supostos “homens novos” que agora teimam em reaparecer, mascarados de democratas ou salvadores.
Celebrar abril nesta terra é afirmar que o futuro só se constrói com memória viva e com os pés bem assentes na história. Porque nesta terra, a liberdade não se pede — exerce-se. Não se agradece — defende-se. E quem tenta abafá-la com silêncios, manobras ou vernizes democráticos, que saiba: abril não vive em palcos nem em discursos cuidadosos — abril mora na rua. E enquanto houver um punho no ar, uma canção de Zeca, uma criança com um cravo
na mão, haverá quem desça a avenida. Não para pedir licença — mas para ocupar o lugar que abril conquistou. Livre. Em luta. Com alegria. E sem medo.
João Freire
Moitense, militante do Partido Comunista Português
22.04.2025 - 18:08
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