opinião
O horizonte é sombrio. É preciso construir caminhos!
Em política não existe «adivinhação». Previsibilidade sim.
Por José Encarnação
Barreiro

Em cargos unipessoais o que importa identificar é o projecto ou a ideologia da pessoa. Quem concorre a um cargo como o de Presidente da República não o faz sem que tenha um projecto em mente ou que não se sustente numa ideologia. Não existem políticos neutros ou assépticos.
A direita portuguesa, desde os fascistas que não “morreram”, passando pelos reaccionários e terminando nos revanchistas, pode estar à beira de conseguir, eleitoralmente falando, aquilo que não conseguiram há 50 anos nos acontecimentos do 25 de novembro. À época, a direita mais reaccionária não obteve aquilo que pretendia. A reversão da natureza do regime.
Hoje, com a actual correlação de forças no Parlamento e com a perspectiva do domínio absoluto do sistema e do poder (governativo, legislativo, judicial e presidencial) a direita tem a oportunidade de reverter aspectos determinantes do Regime, coisa que sempre ansiou, já que se abre um ciclo de revisão Constitucional.
Na composição do actual governo, não é despiciendo que em duas áreas sensíveis para o Regime e para o Sistema se mantenham duas ministras que acabaram reconduzidas: a da Saúde e a do Trabalho. Duas das figuras que mais estragos produziram nos últimos anos.
A da Saúde pelo sistemático ataque ao SNS que, mais do que produzir danos aos utentes seja na saúde preventiva seja no combate à doença, produziu uma espécie de assalto do sector privado ao negócio da doença. O sector privado não quer o “fim” do SNS. Os grandes grupos económicos da “saúde” querem sim um SNS pequenino, indigente e de baixa eficácia, desnatado e dependente dos privados no que diz respeito aos meios de diagnóstico, medicamentos e cirurgias rentáveis. Deixar para o SNS os custos com o que mais custa (áreas como o cancro, o coração, a pediatria e obstetrícia, entre outros, bem como as doenças raras e os medicamentos exageradamente caros). Para isso APM serve como uma luva.
Quanto ao trabalho e num país onde a contratação colectiva quase não existe e onde os contratos colectivos de trabalham por vontade exclusiva do patronato, onde o lado do trabalho continua brutalmente desfavorecido, onde há milhões de trabalhadores, uns mais qualificados e outros nem tanto, com salários de miséria que mais não são que uma grilheta qua aprisiona, literalmente, quem trabalha. Rever a lei dos Despedimentos, acabando com a proibição constitucional do despedimento sem justa causa, rever a lei da greve, criando ainda mais obstáculos à concretização de um direito diferenciador (os patrões não podem fazer “greve”/lockout) reconhecido aos trabalhadores e aos seus sindicatos, ainda que não exclusivamente, é uma ambição do capital desde o 25 de abril de 1974.
Para isso a direita tem as condições essenciais na mão: tem o governo, uma maioria na AR e pode vir a contar com um PR autoritário que tem por trás de si a fina flor de políticos e patrões, além de outros, sobejamente conhecidos pelos seus objectivos trauliteiros e reaccionários.
Não é, para a direita, essencial abrir uma guerra contra aspectos do preambulo da Constituição como o do “caminho para o Socialismo” como pede a IL. Isso, para a direita são “Peanuts”. Basta uma operação cirúrgica em áreas sensíveis e estruturais do ponto de vista social e de regime como as que referi.
O chamado “não é naõ” não passa de uma cortina de fumo para convencer “jornaleiros e comentaristas” e iludir o povo e os incautos.
Quando for “a doer”, a direita juntar-se-á para conseguir o máximo que lhe for possível.
Sem exagerar, Adolf Hitler foi Chanceler na Alemanha “democrática” pela mão dos sociais democratas e pelos conservadores. Não por ingenuidade dos mesmos ,mas porque isso correspondia a uma fase de crise do capitalismo e era preciso “por a casa em ordem”. Um candidato presidencial vinha mesmo a calhar.
Perante isto, que assusta sem dúvida, a atitude não será claudicar. Para isso é preciso que os homens e mulheres bondosos e justos, democratas e mesmo conservadores, comunistas e esquerdistas, socialistas e sociais democratas consequentes se possam ir entendendo na base de plataformas concretas usando uma expressão que aprendi no sindicalismo. “unidade na acção, a força dos trabalhadores”.
Mais do que slogans, mais ou menos frentistas, o que é preciso é encontrar pontos de entendimento e caminhos que sirvam para caminhar. Não estamos em tempos de ter passeios sem buracos e estradas bem asfaltadas. São os problemas a que é preciso ir dando resposta que constituirão o “cimento” das pequenas e grandes acções. Só existirão grandes acções pela soma das pequenas acções.
Defender direitos, defender a natureza do Regime ajustando o que for necessário e viável ao Sistema, deve estar em cima da mesa.
Pior que perder é desistir. Mas só se resiste se houver vontade e atitudes consentâneas com esse princípio. Sectarismos, protagonismos e outros ismos não nos ajudarão.
A “epidemia” que aí vem não se combate com vacinas ou com vacinadores, mais ou menos fardados. Combate-se com clareza, compreensão e muito esforço para entendimentos.
José Encarnação, 9 de junho de 2025
(dirigente da CGTP-IN entre 1977 a 1990)
09.06.2025 - 15:26
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