opinião
Autárquicas Barreiro 2025. Uma modesta proposta...
Por André Carmo
Barreiro

Autárquicas Barreiro 2025. Uma modesta proposta...
...que, ao contrário da formulada por Jonathan Swift, em 1729, não inclui qualquer menção à nobre arte do canibalismo.
Economia forte e trabalho de qualidade
Há muitas formas de desenvolver a economia de um território. O executivo PS Barreiro tem apostado numa lógica de captação de investimento externo, sem atender às suas consequências negativas para a vida dos barreirenses. Por exemplo, ao atrair investimento imobiliário inacessível ao comum dos barreirenses está a promover uma alta generalizada dos preços que torna o acesso à habitação um verdadeiro luxo. Qualquer vão de escada implica uma taxa de esforço superior aos 35% da praxe. As futuras gerações só vão ter casa própria se a herdarem. É caso para dizer, nem o pai morre, nem a gente almoça.
São várias as vozes do executivo que têm reiterado que a vinda dos mais ricos para o Barreiro gera desenvolvimento para todos. Trata-se de uma variação da vulgata trickle down economics tão ao jeito do capitalismo neoliberal que apenas tem servido para acentuar desigualdades e gerar acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos privilegiados. Os ganhos económicos pingam, mas sempre para os mesmos. E não é para quem vive do seu trabalho.
Para enganar o pagode tem também promovido o empreendedorismo, as startups e outras variações da mesma patranha neoliberal que nos quer fazer acreditar, contra todas as evidências da história económica, que o desenvolvimento económico robusto, consistente e sustentável pode alicerçar-se no espírito ou na livre iniciativa individual. Lamento, mas não é assim que acontece. Uma economia dinâmica é institucionalmente densa e resulta de trajetórias de desenvolvimento longas e imbricadas nos territórios e na sua capacidade instalada. Além do mais, tem escala e mercado mas não renega o papel fundamental do Estado como agente económico. Como tantas outras coisas, a economia não cresce no vácuo.
Sem prescindir da aposta na captação de investimento externo, ao contrário da caricatura que lhe é impingida pelos seus detratores – a CDU defende uma economia mista –, é necessário apostar mais no fortalecimento do tecido económico local, torná-lo plural e diversificado. O modelo da “economia-monocultura” é muito propenso a falhas sistémicas e a aposta no terciário mais indiferenciado, como o turismo ou o comércio a retalho, gera sobretudo trabalho precário e mal remunerado. Se houve algo que o Barreiro fabricou nos últimos 8 anos foram McJobs. Já era tempo de ultrapassar a obsessão do executivo com unicórnios. Não passa de uma bola de sabão que, invariavelmente, rebenta. Vazia.
Já o encerramento de uma das maiores unidades fabris ainda existente no Barreiro, por sua vez, não mereceu grande atenção. Deve ser o mercado a funcionar.
Importa mobilizar as empresas e o conhecimento existente para construir soluções de base territorial integrada, ganhando escala e capacidade de inovação, capacitando o tecido económico de base local, promovendo formas de governo da economia local mais articuladas e cooperativas. O modelo económico do PS é conhecido: depois de se colonizarem territórios até ao esgotamento, parte-se para novas paragens. Os barreirenses ficam com as sobras. Liberalismo puro e duro, travestido de “humanismo pragmático de esquerda”.
Chega até a alterar-se a toponímia para privilegiar o investimento privado reprodutivo. O tipo de escolhas que, noutras alturas, seria merecedora de alcatrão e penas ou certificado de estupidez. Bons velhos tempos.
Qualidade de vida e bem-estar
Para viver melhor na nossa terra, é preciso que as suas ruas, praças e largos sejam seguros para todos. Pensar as mobilidades e os diversos fluxos existentes a partir da perspectiva das crianças é a melhor forma de assegurar que toda a gente se sente bem no espaço público e nele pode circular com segurança. Todos queremos que as crianças possam ir sozinhas para a escola, em segurança, que possam brincar nas ruas da cidade com autonomia, praticando e exercendo a liberdade, resolvendo desafios que contribuem para o seu florescimento enquanto seres humanos.
Uma cidade onde se possa circular por todo o lado a pé, de bicicleta ou transporte público coletivo. Um Barreiro onde pessoas com mobilidade limitada não tropecem a cada buraco por tapar e as mulheres de todas as idades possam andar por todo o lado a qualquer hora, sem qualquer sentimento de insegurança. De resto, a segurança constrói-se com pessoas nas ruas e não com CCTV e, infelizmente, todos sabemos que é no seio da família e não em espaços públicos que crianças e mulheres são reduzidas à condição de vítima ou cadáver.
Um Barreiro com qualidade de vida e bem-estar é também um município que defende a existência de serviços públicos de qualidade para todos, um Barreiro mais solidário que não fecha a porta a quem não pode pagar. A visão competitiva da sociedade que tem vindo a ser adoptada pelo executivo do PS, polariza, corrói e, a prazo, como se tem verificado, destrói os laços que tornam uma sociedade coesa.
Quando vendeu ao colégio Minerva o terreno destinado à EB 2/3 da Quinta da Lomba fez uma escolha de classe. Privilegiou aqueles que mais têm e mais podem, prejudicando as possibilidades dos filhos dos barreirenses beneficiarem de melhores condições educativas. Foi também assim quando cedeu os terrenos para o lucrativo negócio da saúde privada por tuta-e-meia, contribuindo para drenar os recursos cada vez mais exíguos do SNS e do Hospital do Barreiro, que tanta importância teve para gerações e gerações de barreirenses. E foi também assim quando escolheram entregar ao privado a recolha e tratamento de resíduos urbanos. Recorde-se que foi feito um ensaio-piloto para avaliar a viabilidade da opção. Até hoje não se conhecem quaisquer resultados que legitimem esta opção e muito menos o seu alargamento a todo o concelho. Bela negociata. Os barreirenses pagam e, em troca, temos degradação do serviço prestado, acumulação de lixo e um cheiro pestilento por todo o lado. Quanto à cultura, mercantilizada em cheques-carecas, não serão muito diferentes os sonhos de menino do extremo-centro. Ainda havemos de ouvir que a vida dos barreirenses não está melhor mas a do Barreiro está muito melhor. O plágio sempre foi a alma do negócio.
Ambiente, natureza e sustentabilidade
Existem condições para valorizar o ambiente e a natureza no Barreiro. Para além desse grande pulmão municipal que é a Mata Nacional da Machada, que os barreirenses têm acarinhado e protegido e assim deve continuar, as zonas ribeirinhas constituem espaços privilegiados de fruição e passeio. A proximidade a estas zonas verdes e azuis, que devem ser vistas no contexto alargado do corredor ecológico do Barreiro, que estrutura a Península de Setúbal, tem um valor incomensurável. Pela biodiversidade e pelas possibilidades de existência de espécies polinizadoras, fauna e flora diversificadas, mas também pelos efeitos modeladores da temperatura que é sempre mais elevada na ilha de calor urbano, e pela reconciliação das nossas vidas com o ambiente natural.
A sua conservação e qualificação deve ser um valor maior de todos nós. Por isso, a ambição pato-bravista de urbanizar a Quinta do Braamcamp em vez de a devolver à comunidade como espaço re-naturalizado, que é de todos e para todos, é um erro crasso que este executivo teima em levar por diante e que não podemos aceitar.
De igual modo, a criação de praias artificiais com os seus barquinhos a remos, logo ali ao lado de praias que exigem investimento na sua recuperação e qualificação, parece apenas e só uma manifestação de provincianismo. O Barreiro dos nossos filhos e netos terá de enfrentar a subida do nível médio das águas e consequente erosão costeira. Todos os relatórios mostram a orla costeira do Barreiro no vermelho, as simulações existentes vão no mesmo sentido e há no PS Barreiro quem o saiba e, com desassombro ou distração, já o tenha afirmado. Mas o executivo continua a querer construir em locais que, dentro de poucas décadas, estarão debaixo de água.
Se é esta a visão do executivo para o futuro do Barreiro, pelo sim pelo não, o melhor é encomendarmos já os escafandros e as barbatanas. Se a Veneza original se está a afundar, a cópia também não lhe ficará atrás.
Voz, participação e cidadania
A CDU sempre fez da participação popular uma das suas pedras de toque. É um valor irrenunciável. Escutar, ir ao encontro das populações e dos lugares, andar nas ruas, falar com as pessoas, valorizar aquilo que têm para dizer. Anseios, necessidades e angústias. Ouvir aquilo de que se gosta, mas também impropérios e insultos. Faz parte. Ao mesmo tempo, esclarecer e informar, prestar contas, com transparência e clareza. São gestos distintivos de quem olha para a democracia como expressão de vontade popular no dia-a-dia e não apenas quando se trata de depositar votos em urna.
Na melhor das hipóteses, o executivo camarário abdicou de ter voz ativa junto do poder central e converteu-se num amplificador acrítico, numa caixa de ressonância do que a maioria absolutista dos governos PS anunciavam. A tal conversa mole para boi dormir. Na pior, privilegiou as jogadas de bastidores e os beberetes, modus operandi habitual de quem, fugindo ao contacto com o povo, investe milhares de euros em campanhas de marketing político e comunicação. Afinal, não foi o PS que gastou 40 000 euros a criar perfis falsos nas redes sociais ao tempo de um ex-primeiro Ministro que, assim que pôde, se pôs ao fresco para embolsar uns euros valentes? Não foi para isto que se fez Abril, mas talvez tenha sido para isto que se fez a União Europeia.
Devolver a voz ao Barreiro e aos barreirenses passa por voltar a erguer a cabeça, a reivindicar, reclamar e exigir aquilo de que a nossa terra precisa e não, como tem sido feito, ouvir de cabeça baixa e em silêncio ou, como diria O’Neill, “perfilados de medo”.
Passa também pelo fortalecimento da participação democrática e da cidadania ativa, promovendo processos participativos robustos, inclusivos e consequentes, envolvendo os cidadãos no governo do município. Ir além da participação a que estamos obrigados por lei, tantas vezes incompreensível e opaca, inacessível ao povo que quer intervir e tem o direito a fazê-lo, mas depois de uma longa jornada de trabalho não passa de um trapo velho e amarrotado, exausto e incapaz de o fazer. E quem nunca se sentiu assim que atire a primeira pedra.
Por isso, é preciso criar condições para estimular e dinamizar verdadeiras formas de participação popular e não meras operações de cosmética. Prestar contas e não esconder dos barreirenses as decisões fundamentais que afetam a sua vida. Mas é preciso também dar o exemplo, contribuindo para elevar o nível do debate e deixando de lado a estafada retórica que começa no insulto e acaba na vitimização.
De caminho, seria bom não abandonar sessões de assembleia municipal quando dá jeito. Salvaguardando as divergências políticas, não pode deixar de se reconhecer que existiram sempre no PS personalidades de elevada craveira intelectual, científica e cultural. No Barreiro, estamos reduzidos aos serviços mínimos. Um executivo em diminutivo. Como é bom de ver, pagam-se caros os permanentes elogios à ignorância.
Centralidade metropolitana
O Barreiro continua geograficamente isolado e distante dos restantes territórios da Área Metropolitana de Lisboa, mas pode ter um papel fundamental no desenvolvimento territorial equilibrado, constituindo-se enquanto centralidade fundamental para superar os desequilíbrios regionais e promover uma rede metropolitana policêntrica. Para isso, são fundamentais os investimentos que vão estruturar o Barreiro do futuro e a região onde ele se insere. E não foi por falta de iniciativa da CDU que, ao longo de vários anos, estes ficaram por concretizar. O mesmo não se pode dizer do PS. No país e no Barreiro, empurrou com a barriga, arrastou os pés e falhou. Foi assim na Terceira Travessia do Tejo e no Metro Sul do Tejo, poderá sê-lo também relativamente ao Arco Ribeirinho Sul.
Mas, claro, não há fatalismos pré-determinados e só vai ser assim se os barreirenses quiserem. E nós seremos sempre, para o bem e para o mal, soberanos e co-responsáveis pelo futuro da nossa terra.
André Carmo
04.07.2025 - 18:34
imprimir
PUB.
Pesquisar outras notícias no Google
A cópia, reprodução e redistribuição deste website para qualquer servidor que não seja o escolhido pelo seu propietário é expressamente proibida.
Fotografia e Textos: Jornal Rostos.
Copyright © 2002-2025 Todos os direitos reservados.