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Uma história… obscura
Por Matilde Antunes

Uma história… obscura<br>
Por Matilde Antunes Como neste país o que é preciso é ter contactos, o meu protagonista activou os seus, o que lhe facilitou infinitamente a tarefa. Conseguiu, assim, apurar que nunca houve nenhuma determinação ministerial no sentido de fechar as portas da escola mais antiga do concelho.

A suposta veia literária que eu julgo percorrer-me de tempos a tempos levou-me a imaginar, desta vez, uma história com contornos de conto policial.

Naturalmente, não aspirava a ter como pano de fundo uma grande intriga internacional, daquelas em que um crime cometido na Guiana Francesa vinha a revelar uma extensa teia de interesses que conduzia ao petróleo no Médio Oriente. Não, eu tinha de encontrar um enredo mais à minha dimensão. De preferência, uma história local. Ah, e sem crimes, que a vida real já nos fornece demasiados exemplos, como atestam os diversos jornais, impressos ou televisivos.

Ora, vamos lá tentar definir o protagonista: homem alto, de expressão séria, visual clássico… Ok, ok, pára lá! O aspecto físico do senhor é secundário. O que é importante é dar-lhe uma ocupação… Já sei! Era um antigo inspector da IGE, daqueles que vão às escolas, no início do ano lectivo, para verificar se os horários dos professores não têm horas extraordinárias e se a constituição das turmas cumpre o número mínimo de alunos definido pelo Ministério.
Retirado da actividade, tentava, por todos os meios, não se deixar atormentar pela noção clara de que tinha agido, fundamentalmente, com base em princípios economicistas e não pedagógicos. Afinal, ele obedecia a ordens e os processos disciplinares que levantou a diversos presidentes de Conselhos Executivos, por terem criado turmas mais pequenas, com o objectivo de proporcionar aos alunos mais condições para o sucesso, não lhe pesavam na consciência. Toda a gente sabia que as políticas educativas dos vários governos só se preocupavam com números…
Nunca tinha conseguido afastar-se totalmente das questões ligadas à educação, pelo que acompanhava regularmente os eventos associados à temática.

Pronto! Definida a Personagem, vamos colocá-la na Acção… Deixa cá ver… É isso: assistia discretamente a uma Sessão Pública, realizada no Auditório Municipal Augusto Cabrita, no âmbito da Feira Pedagógica, quando foi surpreendido pelas declarações de uma figura em destaque no Executivo Camarário: “a Escola Secundária Alfredo da Silva já esteve diversas vezes para ser encerrada e só escapou a esse destino devido às intervenções da Autarquia”. Será que aquele elemento da equipa autárquica, deslocado para o Barreiro por questões políticas, conhecia bem a história local? – interrogou-se o ex-inspector. Ficou perplexo com a revelação, pois não se recordava de nenhuma directiva do Ministério da Educação relativa ao encerramento daquela escola. Decidiu investigar.
Se não fosse Verão, já o imaginava, como nos filmes do Humphrey Bogart, de gabardina e chapéu, ao telefone, interpelando o seu interlocutor com uma voz grave e profunda…

Como neste país o que é preciso é ter contactos, o meu protagonista activou os seus, o que lhe facilitou infinitamente a tarefa. Conseguiu, assim, apurar que nunca houve nenhuma determinação ministerial no sentido de fechar as portas da escola mais antiga do concelho. Aliás, as visitas de colegas seus, em acções inspectivas recentes, de âmbito mais abrangente, tinham culminado em balanços muito positivos do funcionamento da E.S.A.S., o que se traduziu até na participação do seu Conselho Executivo num projecto da Inspecção que visava apresentar escolas com boas práticas no campo da auto-avaliação.

Paralelamente, a investigação do meu ex-inspector levava-o a concluir que o tráfico de influências local originava frequentes boatos acerca da Alfredo da Silva. Naturalmente, pessoas menos informadas (ou mal intencionadas?) acabavam por decidir ou agir em prejuízo daquele estabelecimento. Ao longo dos anos, foram várias as ocorrências.
Um amigo de longa data, recordava-se de, há um tempo atrás, uma Directora de Turma da Escola Álvaro Velho ter aconselhado os seus alunos a não optarem pela matrícula na E.S.A.S., porque ia fechar.
Uma ex-colega insinuou que a rede escolar foi, repetidamente, invocada para justificar decisões tomadas no sentido de impedir que a escola abrisse turmas do 7º ano ou diversificasse a sua oferta educativa (com a proposta de cursos mais apelativos e adaptados à procura dos jovens da região), tendo sido adoptados critérios diferenciados, face à distribuição de turmas pelas várias escolas da zona.
O filho mencionou que alguns encarregados de educação tiveram que recorrer a um abaixo-assinado, apresentado ao Conselho Executivo da Mendonça Furtado, para que os seus educandos fossem autorizados a pedir transferência e a matricular-se no 7º ano, na Alfredo da Silva.
Entretanto, o Humphrey barreirense lembrou-se de um dirigente sindical, afectivamente ligado à Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, que publicou um artigo de opinião num jornal local, onde afirmava que a E.S.A.S. tinha instalações e equipamentos votados ao abandono e à degradação, devido ao seu reduzido número de alunos, pelo que censurava o Conselho Executivo por não acolher no seu espaço aquela escola profissional.
Uma funcionária bem colocada confidenciou-lhe que uma equipa, constituída por representantes da Bento de Jesus Caraça e da D.R.E.L., visitou as instalações da Alfredo da Silva para verificar se os argumentos do Conselho Executivo relativamente às condições de funcionamento da escola eram verídicos. Acrescentou, ainda, que parecia que a impressão lançada pelo sindicalista tinha sido desmentida, pois a escola estava preservada e as salas apresentavam uma elevada taxa de ocupação.

O meu protagonista ainda não esgotara os seus recursos e já tinha encontrado explicações suficientes para as afirmações infundadas da autarca, as quais tinham motivado toda a sua pesquisa.

Mas… depois de delineada a intriga, será que, se eu adicionar a estes ingredientes um estilo carregado de suspense, consigo transformar a história de uma escola que rema contra a maré, lutando para vencer as adversidades, numa trama com laivos de policial? Vou pensar melhor no assunto.

Matilde Antunes
cidadã barreirense

26 de Junho de 2007

26.6.2007 - 22:54

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