inferências
QUEIRADAS DE CINTA
CORRIDAS GAY
Por Kira
Fui criado como um atleta de alta competição. Ao ar livre numa herdade de vasta pastagem passei quatro anos em estágio. Não sabia qual seria o meu destino, o meu futuro, e isso até se explica por ter nascido em Portugal. Estou para aqui como um estudante de universidade, como um operário a especializar-se e o mais certo é ter que emigrar. A situação é má. Já não falo da situação política mas da minha situação. Para o que estarei guardado, eu um atleta? Pelas conversas que vou ouvindo duns senhores de botas sujas de lama como as minhas patas, estarei destinado a uma corrida. Bom, é uma perspectiva que me agrada. Quanto gostaria eu, de correr com uma série de governantes, gestores de cunha e assessores, quanto? Eu corri com o meu irmão que também era ladrão. Mas foi há muito tempo, ainda pequenino.
Um dia,
estava a lavar os dentes num riacho que atravessa a herdade quando o campino Zé Carlos me veio dizer: - eh! pá, oh Castanho, arruma as coisas e prepara-te que vais para uma corrida. Munh! Até que enfim, irei correr com alguém. Esperava, cá mesmo no fundo, que entre os competidores estivesse o Ministro da Areia, de alcunha o Lino. O sacana (do campino) parece ler os meus pensamentos e emendou logo: - esse, rapaz, só o Sócrates pode correr com ele. Bom, fiquei-me com outra esperança: um dia dar-lhe uma grande marrada e mandá-lo para um hospital da margem sul para morrer à vontade, já que por estas bandas não há nada que se pareça com isso.
Um autocarro para toiros aguardava-me, mais cinco colegas, para nos levar ao curro-hotel e iniciar a preparação da famosa corrida. Não era de 5 pontas – o hotel – mas tirando o curroarto muito escurro, mais a dieta que me serviram, não estava mal. Era um bocadinho apertado mas compensava com a celha cheia de água fresquinha. Nada mau. Bem, também não havia umas vaquinhas para um tipo se orientar como é costume em outros hotéis onde pernoitam árbitros de futebol, jogadores e dirigentes. Mas pronto! Havia outro tipo de fruta.
Passei a noite a descansar e de manhã serviram-me uma grande malga de favas. Até ao almoço entretive o tempo a ler o “Eu, Baquinha”, de autora conhecida. Ao almoço deram-me umas sementes de girassol e autorização para dormir a sesta.
Ás 5 em ponto da tarde abrem-me a porta ao curroarto e começam a empurrar-me para uma outra com muita luz. Feriu-me até a visão. Recomposto olho a minha volta e estranhei não ver os colegas nem os outros concorrentes. Afinal ia correr sozinho, como no tempo do Salazar? Assim era canja, a corrida estava no papo. Pensava eu!
Abri mais os olhos e, foi o bom e o bonito! Atirei-me logo ao ar, danado, bravo como sou, e disse para quem quis ouvir: - que merda é esta, munh? Venho da lezíria e enfiam-me agora com os cornos num deserto, cercado de pessoal aos gritos. Munh que é isto ? Responderam-me ás assobiadelas, aos gritos e bateram-me palmas. Pessoas, muitas pessoas vieram ver os atletas. E tanta cor, tanto leque, tanto chapéu, tantas flores, e tanta gaja boa. Babei-me logo e estanquei. Pus-me a olhar onde era a partida, onde estavam os comissários de pista etc. quando vejo entrar um manequim com aspecto de gay, fatinho apertado carregado de lantejoulas, meias cor-de-rosa, sapatinho de ballet…e um trapo laranja e lilás debaixo do braço. Olhou para mim, desdobrou o pano e começou a incitar-me, ou a excitar-me sei lá? É que aquela maneira de se meter comigo, era esquisita. Ele rodopiava, inclinava a cabecinha como se me quisesse beijar lá de longe. Fui-me a ele. Recuou arrastando o pano e fugiu. Bati com a cabeça numas tábuas e devo ter ficado um bocadinho zonzo porque atrás de mim pareceu ver o que os meus olhos não queriam. Um cavalo, com outro maneirinho vestido de azul bebé, cheio de rendas, braços no ar e mais os tiques dos outros,,,um cavalo dizia eu com um soutien no rabo a levantar-lhe a cauda, com lacinhos nos cabelos e tranças, e fitinhas na cabeça.
Minha santa vaca padroeira …isto é um espectáculo de gays!
O casal (cavalo e cavaleiro) começou a rodopiar à minha volta com um pau florido na mão, muito comprido e, aproveitando a minha distracção, zás espetou-me aquilo no lombo. Porra, disse eu quando senti a dor. Fui-me a eles e os gajos fugiram. Vieram outros a pé distrair-me. Fiquei quieto. Não lhes liguei nenhuma e voltaram para trás do balcão. Ao grito de eh! eh! virei-me e – não podia acreditar – o “crinas”penteadinho chamava-me com a patinha a dar a dar. Queres ver que este também é? Conheço a família, e assim que chegar a casa, vou dar bronca:– Oh D.Branquinha tome cuidado com o seu filho porque ele anda cá numa vida que…e deixo a égua-mãe em polvorosa. Eles que se entendam. Pá, lá que os rapazes que aqui estão tenham aqueles tiques todos, isso é lá com eles. Agora um cavalo a bandear as ancas e a chamar-me com a mãozinha, não falando outra vez dos laçarotes “enfeitadores”…é demais! Dei-lhe duas marradinhas e acabou-se-lhes a festa. Saíram e toca a andar. Bom, pensei, agora vou até ao curroarto, tomo uma banhoca e ciao. Qual quê? Aquilo estava para durar. Vejo três pintarolas, com uma espécie de rebuçados de feira de Aires em Viana do Alentejo, dançar à minha volta, rodopiando sobre si, abanando os ombros, e fazerem “a s s i i i m “ com as barriguinhas… Estou mesmo lixado! Corri para eles, mas os cabrões espetaram-me 5 rebuçados nas costas, já que o 6º rebuçado ficou na perna do mariquinhas verde- alface. Em vez de dizer ai, não, utilizou uma palavra muito ouvida no dia 10 de Junho ali para Setúbal quando lá foi o Ministro da Areia.
Fiquei sozinho outra vez. Afinal, da corrida que eu esperava, nada. Era só aquela palhaçada que mais parecia uma tourada. Aproximei-me do balcão cheio de taberneiros, pensava eu, onde só se lhes descortinava as cabeças. E supliquei um pouco de água. Recuaram com medo com certeza e não me ligaram nenhuma. Ouvi umas palmas e voltei-me para o centro do terreno. Era outro vestido dos mesmos modos. AI, AI, AI ! Mas isto é um espectáculo de gays ou uma corrida, munh?
Este pinta-de-marisco que acabara de entrar não me ligou peva. Foi direitinho ao outro lado e quis dar um chapéu redondo com duas bolinha a um espectador. O homem não deve ter aceitado, talvez pela maneira dele amandar o cuzinho para a frente, talvez pela mãozinha assim no ar ou talvez pelo andar de passerelle tipo Cláudia Shiffer, não sei. O que ele fez a seguir é que foi feio: com desprezo, atirou o chapéu das bolinhas para o chão. Tá mal, o homem não quis o chapéu, se calhar porque o podia comprometer.
Logo a seguir o malcriado desembainha uma espada e eu comecei e temê-lo. Queres ver que este maricas me vai matar ? Mas não. Pegou num bocado de flanela vermelha e enrolou-a ao bico da espada. Fiquei, pois claro, mais descansado. Olhei para ele a agradecer baixando a minha cabeça. Aos saltinhos começa a dar-me a flanela a cheirar. Eu colaborei, embora os gestos dele nada me agradassem. Quando passava por ele encostava-se a mim e virava-se, enrolando o trapo nele próprio. Depois levantava os calcanhares – tinha também sapatinhos de ballet – tremia um pouco e levantava a mão direitinha ao céu para agradecer o encosto, com certeza. Quatro encostos depois, como eu não quisesse mais nada dele, virou-se para o público, encolheu os ombros e disparou uma salva de palmas. Deu meia volta junto ao balcão e reparei que lhe atiravam flores, chapéus (bem feita!) casacos e até umas cuecas de senhora. Devolveu os chapéus e os casacos, Ficou com as flores e as cuecas. Para que quererá ele aquelas cuecas? E saiu por onde entrou.
Um corneteiro deu um toque e, ena pá…de trás do balcão vi uma data de pernas no ar, uma espécie de can-can às avessas, e pumba. Uma porrada de manfios, com preservativos verdes na cabeça,casaquinhos curtos e bermudas, agarradinhos uns aos outros, dirigiram-se ao lado contrário onde eu estava, tendo um deles tirado o preservativo e falado com uma figura pública a dizer não sei o quê. Depois, o porta-voz enfiou o preservativo outra vez na cabeça, agora com mais força que nem as orelhas se viam.
Um taberneiro bateu com a mãozinha na tábua do balcão e chamou-me. Virei-me para ele que parecia quer dizer-me : -deixa-te estar aqui que aqui é que eu te quero. Mau… outro da mesma laia? Virei-lhe as costas mas avancei duas patas, pelo sim pelo não. Levantei a cabeça e, não podia acreditar naquilo que estava a ver, minha santa vaquinha… Uma fila indiana, com o preservativo sem orelhas na frente, bamboleava o rabinho, batia palmas, avançava pé ante pé, e chamava-me: - eh toiro… eh toiro liindo !!! Caiu-me a baba, não de vaidade mas de raiva. Então estes pés de gesso estão a chamar-me de liiindo ? Toiro está certo, agora liiindo , espera aí que já te as dou. Considerei aquilo uma provocação e avancei furioso contra o gajo com a intenção de os mandar todos pelos ares. Qual quê? Não é que o sacana abre as pernas e se agarra a mim pelo pescoço num abraço apertado? Mais - não sei se por ciúmes ou aproveitamento - os outros caiem-lhe em cima seguidinhos e ficaram todos encaixados. É pá, desta vez é que já era demais. Aquilo não era corrida, não era tourada não era nada. Aquilo era um “comboio”! Tentei empurrar aqueles “carruagens” mas cansei-me e parei. Então começaram a contar até 3, era o máximo que sabiam com certeza, e lá me largaram (satisfeitos pela certa via-se na cara deles) todos menos um mais atrevido que me torcia a cauda, para um lado e para o outro. Olhei para o “restinho” e perguntei-lhe:-o que é que tu queres daí, menino ? Se me tentares violar levas um par de coices que nunca mais sabes dar com o deserto onde moras… O “restinho” atirou a minha cauda com desprezo, limpou as mãos e foi para trás do balcão com um olhar desconfiado. Olha-me este munh? E olhei para o público. Choveu um grande salva de palmas e presentearam-me com umas “chocas” trazendo à cabeça a minha Malhadinha, uma bezerra com quem tenho tido umas brincadeiras muito à toiro. E saí, de cabeça baixa mas de moral levantada.
Embora diferente daquilo que eu esperava, esta foi mesmo a corrida da minha vida.
Ps.- espero que os meus amigos matadores Armando Soares e Chibanga, os forcados Luís e Paulo Caixinha do grupo da Golegã, o senhor engenheiro Pinheiro ex-forcado, e o cavaleiro tauromáquico José Mestre Batista (este lá no céu – e que me roubou uma namorada no Café Arcada, em Évora) alem de todos os aficionados como eu, me perdoem a brincadeira. Olé !
kira
24.6.2007 - 14:25
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