associativismo
Cristina Nunes no Rotary Club do Barreiro
O criativo cria para se libertar

Cristina Nunes, elucidou sobre as evidências clínicas da falha do mecanismo de defesa psicanalítico “recalcamento” na expressão da criatividade.
Na passada segunda-feira, dia 28 de Janeiro de 2013, o Rotary Club do Barreiro, realizou mais uma reunião de palestra, tendo tido como palestrante a Drª. Cristina Nunes, licenciada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, em 1983.
Especializou-se em Psicanálise, Psicoterapia Psicanalítica (adultos, crianças e adolescentes), Terapia de Casal e Psicologia Clinica.
Desde 1987, depois de ter sido Presidente da direção da CERCIMA (Cooperativa de Educação e Reabilitação do Cidadão Inadaptado de Montijo e Alcochete, C.R.L) exerce a sua atividade clínica privada, sendo atualmente Diretora Clínica e Diretora Associada da PSICRIS a da CLINIPINEL, clínicas portuguesas de referência nas áreas de Psiquiatria, Psicoterapia e Psicanálise.
Tem inúmeros artigos publicados na área da saúde mental, atualmente é responsável por promover e inetrmediar a adesão da AP (Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica à IFPS – International Federation of Psychoanalitic Societies.
Perante uma plateia bem composta e atenta, a Drª. Cristina Nunes, começou por nos elucidar sobre as evidências clínicas da falha do mecanismo de defesa psicanalítico “recalcamento” na expressão da criatividade.
Com esta exposição, a autora pretendeu partilhar e discutir alguns pontos de vista sobre a sua experiência clínica e reflexões relacionadas com o fracasso da aceitação e reconhecimento, por parte da criança, da autoridade moral e ética dos modelos parentais, eventualmente vivido como experiência traumática, interferindo na eficácia do mecanismo de defesa “recalcamento”, pedra basilar na concepção da Psicanálise, com efeitos significativos na expressão da criatividade.
Para o efeito introduziu brevemente a temática da Psicanálise, particularmente naquilo que não é a Psicanálise, por vezes erroneamente interpretada.
Na experiência da autora, evidências clínicas sugerem que, quando o paciente não pôde reconhecer, enquanto criança, o seu pai ou a sua mãe como um modelo de autoridade moral credível, por ausência emocional ou desvalorização comportamental, o mecanismo de recalcamento, importante para a interiorização das regras e socialização pode não funcionar adequadamente. Deste modo, estas crianças, ao longo do seu desenvolvimento, vêem-se obrigados a gerir de alguma outra forma a falha desse apoio de modo a viver a sua vida de uma forma sustentável, sentindo-se muito sozinhas nessa tarefa.
Frequentemente eles sentem-se (e verbalizam-no) como se fossem o pai ou a mãe de si próprios, acreditando efectivamente que se criaram a si mesmos.
Este fracasso da realidade externa seria sentido provavelmente de forma traumática (experiência não representável que deixa memórias emocionais) , mas interiorizado de maneiras diferentes, tão diferentes como o caráter de cada indivíduo; alguns deles continuariam psicologicamente desorganizados, outros tornar-se-iam fanáticos da ordem, rigidamente formatados à regra, enquanto outros o fariam de forma diferente, através de uma capacidade de pensar ou expressar os seus sentimentos numa linguagem simbólica diferente, como a artística, por exemplo.
Aqueles que expressam o seu lado escuro (não iluminado) da mente pela linguagem artística parecem manter o seu impulso sexual extremamente activo, provavelmente pelo baixo grau de recalcamento das experiências culturalmente consideradas de “conteúdo perigoso”.
Mas, desse modo, o indivíduo pode fechar-se sobre si próprio, numa espécie de concha narcísica, onde a simbolização de expressão artística parece ser a principal forma de transformar e traduzir os seus conteúdos inconscientes e muitas vezes inaceitáveis para a sua parte consciente.
Normalmente, estas pessoas não seguem as normas, e, para além da expressão criativa das suas obras, investem massivamente a sua energia excedentária, em algo que acreditam poder representar o seu sentido de vida, que pode tomar formas tão diferenciadas como uma pessoa única (namorado ou amigo), um projeto, como um clube de futebol, ou uma banda de heavy metal, por exemplo, que parecem tomar, de algum modo, o lugar do progenitor do mesmo sexo, enquanto figura privilegiada de identificação.
Resultados de investigação nas neurociências têm vindo a demonstrar que existem processamentos de estimulações através da amígdala, processo sub-cortical, antes desses inputs irem ao cortéx, sugerindo o processamento de memórias emocionais, numa espécie de sistema emocional que poderia agir independentemente do sistema cognitivo, este sim, transmitindo os seus impulsos maioritariamente através do cortéx cerebral.
A capacidade criativa parece melhorar estes efeitos traumáticos, como uma forma de autorregulação, convocando a resiliência como uma capacidade de reparação do “estrago” sentido.
Estudos que investigam as diferenças entre estilos defensivos de pessoas criativas e não criativas, apontam para que os menos criativos utilizam mais os mecanismos defensivos de recalcamento, altruísmo, comportamento agressivo-passivo e projeção enquanto os mais criativos se aproximavam mais do processo primário, sobre o qual demostravam ter melhor acesso e controlo. A produção criativa, a partir do acesso aos mecanismos do processo primário, tentaria inovar continuamente, com um minino de recurso aos mecanismos de defesa. O criativo cria para se libertar, para processar o não representável e não tanto para o comunicar, embora possa beneficiar disso enquanto um ganho secundário. Noutras circunstâncias estas mesmas pessoas poderiam usar outros mecanismo defensivos que não os 4 anteriores, numa tentativa de lidarem com as tensões e conflitos pessoais emergentes das vivências quotidianas.
De todo o modo a solução criativa e a patológica estariam nos extremos opostos de um continuum entre solução progressiva (procura continua de novas ligações e respostas inovadoras) e solução regressiva (repetição de comportamentos anteriormente eficazes em fases menos maduras).
A autora pensa assim que a expressão artística, pode ser expressa através de uma espécie de elo criativo, não associado com o pensamento reflexivo, mas numa tentativa de resolver a tensão psíquica, ou o conflito psíquico, que pode ser considerado o nível imediatamente inferior ao pensamento reflexivo e associativo, um tipo de vínculo que liga diferentes materiais inconscientes que não podem ser pensados, num produto artístico final, sem chegar a ser pensado. O pensamento reflexivo acordaria o perigo de entrar em contato com o fenómeno traumático original e com a sua dor.
Na opinião da autora parece haver uma predisposição criativa, como outras doenças têm predisposições genéticas e hereditárias. Quando o corpo e/ou a mente são expostos a condições desfavoráveis, esta predisposição poderá atuar em contraponto e em compensação da vivência traumática, no sentido de dissociar essas partes não representáveis, sem recurso ao recalcamento, deixando-as intensa e qualitativamente acessíveis a ulteriores elaborações criativas.
É neste continuum dinâmico entre progressão e regressão que se processa o processo psicanalítico. Durante este processo, à medida que evolui, os pacientes vão aumentando a sua capacidade de pensamento reflexivo e diminuindo as suas necessidades de passagem ao acto (acting out). Ao mesmo tempo, desenvolvem cada vez mais a capacidade de se expressarem através da simbolização artística. Tudo isto lhes permite ir aumentando a satisfação com eles mesmos, tornando-se mais confiantes e menos dependentes do olhar do outro (que até aí serviu como um espelho) para saber quem são.
No final, bastante aplaudida, a Drª. Cristina Nunes ainda dedicou uma boa parte da noite para responder a algumas questões apresentadas.
Foi mais uma agradável noite de convívio e aprendizagem rotária.
Carlos Guinote
30.1.2013 - 0:02
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