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ArteViva – Companhia de Teatro do Barreiro
AS QUATRO GÉMEAS -um enorme “tsunami de emoções”

ArteViva – Companhia de Teatro do Barreiro<br>
AS QUATRO GÉMEAS -um enorme “tsunami de emoções” Na escuridão, escuta-se um latido perdido na noite, depois uma luz ao fundo, talvez um túnel, ou, um lugar onde nascem sombras, que, subitamente, transformam-se em personagens, vivas, com ambições e delírios.
No palco, pouco a pouco, forja-se a arte, sublime, que flui no tempo. Um tempo angustiante, intenso, humano, profundamente humano.

“O homem é o lobo do homem”, afirmou o filósofo Thomas Hobbes, foi esta frase que me ocorreu ao pensamento, ao escutar aquele latido vindo do silêncio e da escuridão, e, nela, afinal, senti o pulsar de todo aquele turbilhão de conflitos que, de forma épica, moviam-se no palco e floriam nos meus pensamentos, naquela permanente encruzilhada entre a morte e a vida, entre as balas a perfurar o corpo e os silêncios que vagueavam nas tensões, diálogos, jogos, e paixões entre as personagens.

O espectáculo “As Quatro Gêmeas” é, sem dúvida, uma provocação aos sentidos, uma sátira social, irónica e cruel, um jogo bipolar, uma luta incansável entre a vida e a morte, uma viagem imaginária, entre cidades distantes, um movimento no tempo que se constrói como um enorme “tsunami de emoções e angústias”, sentimentos, que dividem os personagens entre o amor, o ódio, o dinheiro, a morte, a vida, a esperança.
Imaginei ali, o sonho americano. Entre barras de ouro, diamantes e pérolas. Assassinatos. Raptos. Viagens. Droga. Esperança. Ternura. A contradição que se inscreve numa caminhada em busca de um infinito. Ilusões.
Imaginei ali, o eterno retorno de Nietzsche. A morte e a ressurreição. Os personagens a desdobrar-se em ciclos sucessivos de vida e morte. Quem mata quem? Quem sobrevive? A vida, tal como os dias, tal como os anos, essa vida, onde nascemos e morreremos, a cada instante, superando a dor e renovando a esperança. É este o grito que ecoa no palco.

Stanislavsvki, na sua obra “A preparação do Actor”, afirma que “o melhor que pode acontecer a um actor é ser inteiramente dominado pelo seu papel”, acrescentando, que o actor deve “viver a sua personagem”, “sentir” e “viver as suas emoções”.
Recordo esta frase, para sublinhar, aquilo que, na verdade, senti, nas interpretações de Adriana Lopes, Carla Carreiro Mendes, Carolina Conduto e Joana Nunes. Foram sublimes. Excelência. Uma loucura de emoções.
Viveram as personagens na sua plenitude, com beleza, com força, com paixão, “inteiramente”. Acredito que esta vivência em palco, neste ano de 2024, num tempo de tantas dúvidas, as emoções que ali viveram, devem, por um lado, ter-vos dado um gozo enorme, ao viverem a arte pela arte, mas, simultaneamente, esta experiência não será, certamente, indiferente para a vossa vida de actrizes, como não será para a vida dos espectadores. A peça vai ficar a tocar os neurónios.
Acredito que vão guardar esta peça nos vossos corações, naquele canto onde são guardadas as coisas mais lindas do tempo que faz a vida.

Stanislavsvki, recorda que “tudo o que se passa ao palco deve ter um objectivo”, mesmo que se fique simplesmente sentado, deve haver um fim preciso, porque a ação e o movimento, estão na base do trabalho do actor – “no palco, deve sempre estar-se em ação física ou espiritualmente”.
As quatro gêmeas ali, no palco, fizeram sentir tudo isso, com beleza, com ritmo. Tudo conta. Um pé. Uma mão. Um queda. Um silêncio.
As quatro gêmeas, deram vida à natureza humana na sua desagregação, com rostos expressivos – todas com uma caracterização que, só por si, no que tem de trágico e de belo, contribuiu para dar vida aos personagens – são os gritos de dor, lágrimas, risos e angústias. Os ricos e os pobres. A luta de classes. A luta pela sobrevivência. As ilusões.
A dimensão plástica desta peça é de excelência.
Os figurinos entre a fantasia e o real. A comunicação gestual, as esculturas que nascem nos abraços dos corpos, uma permanente dança, movimentos e jogos que se cruzam, esteticamente, traduzindo os jogos psicológicos.
A casa é solene, mansão de veludo, uma casa que é palco, com o sofá no meio da sala, o lugar, que é o ponto de encontro de todos os conflitos.
Teatro é comunicar. Teatro é o texto. Na verdade, nesta peça o texto é um puzzle. Uma linguagem agressiva, até violenta, que tem por finalidade dar a dimensão do desespero e da angústia, da luta entre a morte e a solidão. O absurdo. A dúvida existencialista.

A encenação, pareceu-me, e bem, que, mais que outra preocupação, quis, no essencial, dar espaço para as actrizes fluírem, fazerem crescer as personagens, dando vida às emoções, dando força ao texto, explorando com energia a força das palavras, mas, acima de tudo procurando que as personagens dessem vida ao corpo, vivendo em movimentos e com gestualidade a plenitude das emoções, fazendo emergir as personagens na sua dimensão plástica, assim, valorizando ao nível teatral, a dimensão estética.
As quatro gêmeas de forma livre e criativa deram vida aos seus enormes talentos e fizeram brotar, no palco, a bela arte de representar de forma sublime. Excelente!
Um trabalho de equipa muito bem conseguido, na luz, no som. Este espectáculo, todo ele, define-se na energia da palavra criatividade.
Parafraseando o poeta, apetece dizer : Sinta quem vê!
É isso…que - Estou à espera!

António Sousa Pereira

AS QUATRO GÉMEAS

AS QUATRO GÉMEAS, a 94ª produção da ArteViva - Companhia de Teatro do Barreiro, estreou no dia 7 novembro, no Teatro Municipal do Barreiro.

SINOPSE

Duas mulheres, duas gémeas que trabalham na alta finança, recebem na sua casa de férias, outras duas mulheres, duas gémeas, que se apresentam para servir ou “servir-se”.
Quatro mulheres de mundos diferentes, que têm em comum a adição à heroína, a solidão, a vertigem e a morte.
Uma viagem sem destino.
Partindo de objetos teatrais não identificados, de forma delirante e por vezes divertida, desesperante, grotesca e muito ampla, Copi fala da morte, solidão e adição, num ambiente explosivo de desespero sem norte.
Uma verdadeira dança da morte. Estas quatro gémeas vivem num tempo sem tempo. Num teatro que as consome.
Uma verdadeira comédia desconcertante.

Rui Quintas

FICHA TÉCNICA

Autoria Copi
Tradução António Barahona
Encenação Rui Quintas

Interpretação - Adriana Lopes, Carla Carreiro Mendes, Carolina Conduto e Joana Nunes

Assistente de Encenação - Catarina Santana
Cenário - Rui Quintas
Apoio Cenário - Francisco Garvão
Música - Fast Eddie Nelson
Figurinos - Ângela Farinha e Manuela Ramos Félix
Desenho de Luz - João Oliveira Jr. e Rui Quintas
Operação Técnica - Maria Inês Santos

Produção Executiva - Catarina Santana
Design Gráfico - Rui Martins
Fotografia de Cena - Cláudio Ferreira
Trabalhos de cenário - António Santinho
Agradecimentos - João Pimenta, Joaquim Santos e Jorge Cardoso

94ª produção da ArteViva – Companhia de Teatro do Barreiro

08.11.2024 - 20:04

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