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A pobreza envergonhada não dignifica ninguém
Por António Neves
Barreiro

Não escrevia para o Rostos há uns bons meses
Hoje, no meu passeio matinal pela Avenida da Praia, encontrei o seu diretor, o amigo Sousa Pereira, sentado na muralha, ao lado da esposa, que se restabelece duma operação a uma rótula.
"Então, deixou de escrever?"
- São fases, e para dizer a verdade, nem eu sei bem porquê, disse-lhe. Prometi retomar, e aqui estou.
Estava há pouco a ler a crónica do Miguel Esteves Cardoso no Público intitulada "Os pesseguinhos de abril"... que me serviu de pretexto para esta reflexão..
Abril ainda não é tempo de pêssegos, mas aqueles " cheiravam tão bem que comprámos dois quilos e fugimos para casa para comê-los. Eram pequenos, mas o sabor era francamente pêssego"
Esta crónica desafiou-me a ir abrir o meu frigorífico e mostrar como ontem ficou o gavetão dos legumes, quando tirei do carro uma parte das nêsperas que consegui apanhar e trazer de Albufeira.
Outras tantas foram para distribuir pela família.
Nascido e criado pelas terras pobres da Beira Interior, onde ter uma árvore de fruto era um luxo, aprendi a dar valor a tudo o que a natureza cria e oferece para o sustento da humanidade, e vejo com tristeza as milhares de toneladas de frutos de todas as espécies que se perdem, Portugal fora, com tanta gente a passar fome.
Observem os quintais e hortas dos arredores de qualquer cidade e vejam a quantidade de nespereiras carregadas de apetitosos frutos, laranjeiras, figueiras, limoeiros, etc, que os seus proprietários não consomem, não colhem nem oferecem para colher a quem quisesse e pedisse para ir colher.
Tantas instituições que acolhem crianças ou idosos, com orçamentos cada vez mais minguados e deficitários poderiam, na suas zonas, fazer parcerias com os proprietários destes pomares sem valor comercial em que os frutos não colhidos caem ao chão e apodrecem sem que a ninguém aproveitem.
O dinheiro poupado em fruta em cada época, que não precisariam de comprar, permitiria contratar mais um vários funcionários para prestar melhores cuidados aos seus utentes.
Recordo o tempo em que, há uns sessenta anos, na Casa dos Rapazes da Moita,onde trabalhei um ano como "prefeito", nos meus dezoito anos,
vários proprietários iam pedir ao Padre João Evangelista que mandasse alguns dos rapazes mais crescidos a colher fruta e hortaliças nos seus campos, ali perto da estação do comboio.
Levávamos um ou dois carros de mão e voltávamos com eles cheios.
Quanto dinheiro não poupava a instituição.
E que alegria para os jovens poderem participar no sustento da casa que os abrigava.
Outros tempos...
Hoje, pode ser ainda uma alternativa ao Banco Alimentar...
Estou certo de que qualquer proprietário deixaria uma pessoa que passasse por um pomar cheio de fruta que não vende nem consome na totalidade encher um saco de fruta para completar as refeições, naqueles dias em que os poucos euros do salário chegaram ao fim.
A pobreza envergonhada não dignifica ninguém.
Antonio Neves
29.04.2025 - 17:43
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