entrevista
Barreiro - Augusto António Cabrita, Curador da Exposição «UM OLHAR INÉDITO
Augusto Cabrita foi um dos diretores de fotografia mais importantes do Cinema Novo português
A propósito da inauguração de uma Casa- Museu que foi anunciada para celebrar a efeméride, refere – “não sou apologista de se fazer uma casa-museu numa zona particularmente deteriorada”, e, sobre este projecto, considera que - “não há pressa. A fazerem-se, as coisas serão feitas com rigor e com a dignidade que o autor merece.”
Augusto António Cabrita, Curador da exposição “Augusto Cabrita – Um olhar inédito», que esteve patente ao público no Auditório Municipal Augusto Cabrita, a marcar o centenário do nascimento do Mestre e que proporcionou uma viagem pela grandeza e beleza da sua obra.
Em entrevista ao jornal Rostos, Augusto António Cabrita, faz um breve balanço da comemoração do centenário do Mestre, seu avô.
Celebrações excederam e muito as expectativas iniciais
Foi celebrado centenário do nascimento de Augusto Cabrita, teu avô, que guardas das celebrações desta efeméride?
“ Creio que estas celebrações excederam e muito as expectativas iniciais. Para ser sincero, acho que se arrancou um pouco tarde, sem assaz planeamento, tanto familiar quanto institucional, mas as coisas acabaram por ser conduzidas a muito bom porto a partir de um trabalho conjunto.
A exposição retrospectiva no AMAC mereceu particulares elogios, tendo sido visitada por milhares de pessoas ao longo de vários meses. Gostaria também de sublinhar as homenagens feitas pela Cinemateca Portuguesa, tanto no quadro do Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde, onde Augusto Cabrita foi um dos cabeças de cartaz, como num Ciclo de três dias recentemente realizado na Cinemateca que homenageou o autor com a passagem de 12 filmes de sua autoria.
Para além disso, a RTP criou no início do centenário uma página online dedicada ao próprio, onde já podemos ver alguns dos seus filmes feitos no quadro da colaboração com o canal. Foi também depositado material fílmico na Cinemateca por parte da família que se encontra a ser catalogado e digitalizado, pelo que podemos esperar por novidades em breve. Há também uma belíssima exposição a decorrer até 20 de Abril na Biblioteca de Marvila. Para mim é um ano de um notável ressurgimento do artista.”
Augusto Cabrita foi um dos diretores de fotografia mais importantes do Cinema Novo
Quando pensas e reflectes sobre a obra do Mestre Augusto Cabrita como a enquadras no âmbito da história da fotografia e do cinema, em Portugal
“Enquadro-o de uma perspectiva vanguardista. Começando pelo cinema, Augusto Cabrita foi um dos diretores de fotografia mais importantes do Cinema Novo Português nos anos 60. Tinha uma forma de filmar particularmente enérgica, privilegiando panorâmicas que terminavam de forma repentina, mas exímia. Não gostava muito de ruminar o mesmo plano. O cinema para ele era ritmo. Também se sabe no meio cinematográfico português, que ele era muitas vezes nomeado para filmes em que o realizador precisava de um diretor de fotografia que conseguisse imprimir particular dinâmica a um trabalho.
A par disso há um grande vanguardismo e mestria na simbiose entre a música e as imagens. Nada disso era comum na época. Vínhamos de um cinema pouco enérgico, e em que a música e a imagem andavam muitas vezes de costas voltadas. Como fotógrafo, é um autor que deixou uma grande marca entre o início dos anos 50 e a década de 80 em Portugal.
Fotografou muita coisa. E com uma grande propriedade. Acho que só daqui a algum tempo, com a publicação de novos livros e a realização de novas exposições é que vamos ter noção da dimensão da obra.”
Conseguiu estar nas duas frentes da imagem por igual
Que achas que deve ser valorizado na criatividade do Mestre?
“A sua particular versatilidade e completude no domínio da imagem. Para ser franco, não me recordo de nenhum outro artista português do século XX que tenha conseguido estar em duas frentes, no cinema e a fotografia, mantendo a bitola qualitativa que Cabrita conseguiu manter. Falo do conjunto. Conseguiu estar nas duas frentes da imagem por igual, sem que houvesse um desiquilíbrio qualitativo entre a forma de filmar e de fotografar. Creio que isso é algo que deve ser sublinhado.”
Eu cresci a ouvir noções limitadíssimas do seu percurso
Para organizares a exposição «Augusto Cabrita – Olhar inédito», da qual foste o Curador, tiveste o privilégio de mergulhar pelo imenso espólio do teu avô. Que sensações viveste, quando navegaste por essas memórias?
“Não conhecia mais de uma centena de imagens do autor. Se tanto. Por isso, foi uma viagem maravilhosa, que aliás, continua diariamente. Há muito a ser digitalizado e identificado.
O meu pai e eu não arredamos pé. É um processo de grande fascínio que no final, nos vai permitir interpretar com propriedade aquilo que foi o seu percurso na arte. Aquilo que se era mostrado a nível póstumo do seu percurso representava como que 5% do que ele de facto fez. Eu cresci a ouvir noções limitadíssimas do seu percurso. Como deve calcular, tudo isto é uma grande maravilha para mim, que tenho uma grande paixão pela arte e pela história.”
Não sou apologista de se fazer uma casa-museu numa zona particularmente deteriorada
No âmbito das celebrações do centenário foi anunciada a inauguração de um espaço dedicado a divulgar a obra e a vida do Mestre Augusto Cabrita. Porque não avançou, sabes?
“Não tenho conhecimento porque ainda não avançou, mas prefiro assim. Sou da opinião que as coisas para avançarem devem estar alicerçadas ao máximo. Talvez seja por isso que a Câmara esteja a aguardar. Saúdo e muito a sua intenção.
Mas para já não sou apologista de se fazer uma casa-museu numa zona particularmente deteriorada e que ainda não tem as melhores condições de acesso. Não há pressa. A fazerem-se, as coisas serão feitas com rigor e com a dignidade que o autor merece.”
Um centenário que é definitivamente a marca de um prelúdio e não de um fim
Que notas achas importante registar da celebração do centenário?
“Creio que é um centenário que é definitivamente a marca de um prelúdio e não de um fim. A investigação e revelação de várias camadas da sua obra só desde o início do centenário se iniciou. A energia da família foi determinante para estabelecer pontes com grandes instituições. Instituições como a Cinemateca Portuguesa, a RTP, entre outras, estão hoje assaz interessadas no trabalho de Augusto Cabrita, em dignificá-lo e mostrá-lo ao público. A par disso, foi acordado com uma editora de Lisboa com grande capacidade de distribuição e e de tiragem, que irá ser iniciada uma coleção de livros de Augusto Cabrita para breve. O que é excelente.
O trabalho não se pode cingir à evanescência de exposições e efemérides. Tem de haver catálogos e livros atualizados para que as coisas possam perdurar no tempo. Em breve sairá também um catálogo sobre a exposição, com vários dados biográficos do autor, editado pela Câmara Municipal do Barreiro. Há muito trabalho a fazer. Ainda só estamos no início.”
António Sousa Pereira
TE – 180
Equiparado a Jornalista
29.03.2024 - 16:03
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