entrevista

Isabel Mões, encenadora do «Arquivo Colectivo da Terra Vermelha»
Colectividades são espaços de pensamento e de resistência ao fascismo

Isabel Mões, encenadora do «Arquivo Colectivo da Terra Vermelha»<br>
Colectividades são espaços de pensamento e de resistência ao fascismo "Este é um espectáculo de teatro documental, mas tem parte de uma história específica, tem uma linguagem muito poética em alguns momentos. Não é só uma leitura de documentos. Os documentos aparecem para servir o enredo principal", refere Isabel Mões, dramaturga e encenadora do espectáculo “Arquivo Colectivo da Terra Vermelha”, que vai estrear no dia 30 de maio, na Sociedade de Instrução e Recreio Os Penicheiros, no Barreiro.

Em entrevista Isabel Mões, fala das motivações e do percurso realizado para construir o seu espectáculo “Arquivo Colectivo da Terra Vermelha”, que vai estrear no dia 30 de maio, na Sociedade de Instrução e Recreio Os Penicheiros, no Barreiro.
Recorda, a dramaturga e encenadora que através de uma história real do protagonista Arnaldo, que chega ao Barreiro — aqui denominado “Terra Vermelha”—, com o intuito de ser um grande jogador de futebol, mas que acaba por trabalhar nos Penicheiros, encontramos a história de uma colectividade e da sua resistência à ditadura.

O espectáculo estará em cena dias 30, 31 de maio e 1, 6, 7 e 8 de junho, sextas e sábados às 21h30 e domingos às 16h.
Isabel Mões é dramaturgista, escritora e encenadora e tem criado espectáculos de forte carácter activista, sustentados na memória pessoal e colectiva e na observação social e política da sociedade.

Espaços de pensamento e, sobretudo, como espaços de resistência ao fascismo.

Como surgiu a ideia de fazer um espectáculo baseado no arquivo da colectividade “Os Penicheiros”, no Barreiro? E porquê?
"Bem, essa ideia surgiu antes da pandemia. E era uma ideia de projeto para o Arquivo dos Diários, uma associação com a qual colaboro e que recolhe diários de pessoas comuns. Na altura dei essa ideia e o projecto era para ser feito com a Caixa Económica Operária.
A ideia surgiu porque as colectividades estão a desaparecer. Por razões diversas, financeiras, imobiliárias… E se desaparecem, eu pergunto para onde é que vão os seus espólios? Se é que existiam espólios, se é que existiam livros, para onde é que vão? Alguma coisa terá ido para o lixo, outras coisas devem estar guardadas, se calhar em casas particulares, um pouco por aí…
Por outro lado, a importância das colectividades para mim tem a ver com o facto de ter morado muitos anos na Ajuda, que era um bairro operário e na minha rua, a rua do Cruzeiro, existirem inúmeras coletividades. Foi na Alunos de Apolo, na Rua do Cruzeiro, a primeira vez que vi cinema. Mas também havia teatro. Fazia-se muito teatro. Haviam os bailes, que tiveram muita importância também na formação musical, e o desporto.
E, por outro lado, gosto muito do nome “colectividade”. Acho que tem um nome belíssimo. Pessoas que se juntam em colectivo, voluntariamente, para trabalhar para a população e com a população.
Quando eu andava à procura de uma colectividade para fazer este projecto, o João Ferrador, que é aqui do Barreiro, falou-me dos Penicheiros. Que deveria vir aos Penicheiros, porque eles tinham um arquivo muito grande e foram uma colectividade com muita importância no Barreiro.
Quando entrei aqui nos Penicheiros disse: bem, tem que ser nesta colectividade, porque, para além do arquivo documental, tem muita importância histórica. São mais de 150 anos de existência. E tudo o que faziam aqui tinha muita importância: criaram a primeira biblioteca em 1925, mesmo antes de existir uma biblioteca pública no Barreiro, deram aulas de alfabetização, explicações de muitas disciplinas, tiveram inclusivamente uma sala de estudo para as pessoas que quisessem vir aqui estudar. Tinham uma escola de música. Os alunos entravam aqui pequeninos e depois iam para a banda. Tinham uma banda filarmónica que era muito conceituada e que percorria o país todo. Uma banda de jazz. Vários grupos de teatro. Deram palestras, conferências… A importância desta colectividade é muito grande.
Resolvi fazer este projeto, também porque existe algum desconhecimento, sobretudo pelas gerações mais novas, da importância que essas coletividades tiveram, não só na alfabetização, mas também na área musical e como espaços de pensamento e, sobretudo, como espaços de resistência ao fascismo."

Começar a ler aquilo que me interessava…ir descobrindo

“Arquivo Colectivo da Terra Vermelha”, tem como tema o papel das colectividades de cultura e recreio no tempo da ditadura.

“Já não consigo falar de temas sem os conhecer muito bem.” Afirmas no teu site. Para chegar a um conhecimento profundo deste tema, de que fontes te socorreste?
"Bem, desde já, partindo aqui do arquivo dos Penicheiros. Foi mergulhar no arquivo. Ele já estava catalogado, mas estava muito desorganizado.
Então, a primeira coisa a fazer foi mergulhar nesse arquivo, organizá-lo por documentos, actas, correspondência, etc. E depois começar a ler aquilo que me interessava, ir descobrindo. Não ia à procura de uma coisa específica, mas começar a ler, a ver o que é que aquelas páginas e o que é que aqueles documentos me traziam. Depois, a partir daí, também percebo, claro, que não posso ficar cingida ao espólio dos Penicheiros, e percebo, mediante a altura histórica de que estou a falar, que também tenho que ir à Torre do Tombo, ao arquivo da PIDE, ao do SNI também, e encontrar algumas pastas. Por acaso, lá não encontrei a pasta dos Penicheiros, mas encontrei outras pastas de interesse.
Como também era importante para aqui, tive acesso ao arquivo do Cineclube do Barreiro, depois também ao arquivo da Câmara Municipal do Barreiro, aos pedidos confidenciais, também algumas coisas que tinham a ver com os Ferroviários, e o do Futebol Clube do Barreirense, ao Arquivo Distrital de Setúbal, para ver o que é que lá estava sobre esta época e sobre este tempo específico. Basicamente foram estes arquivos que consultei.
Não era para usar tudo, não é? Mas às vezes procura-se para usar alguma coisa. Uma linha que seja. Mas não interessa, é uma linha."

A história é uma história real e como muitas outras histórias

A ação foca acontecimentos importantes da colectividade “Os Penicheiros” e da cidade do Barreiro. Mas desenrola-se em torno da personagem de Arnaldo. Contas-nos um bocadinho da história?
"Sim, desenrola-se o período temporal em 1965 a 1974. A história é uma história real e como muitas outras histórias, de um miúdo, Arnaldo, que vem para o Barreiro sozinho para fazer as provas de futebol para esse clube, mas que depois acaba por não ficar a jogar futebol, desistir, e através de um anúncio de emprego vem trabalhar para a colectividade, para a secretaria, dando ajuda com as actas e com as fichas dos sócios. E é aí que ele tem contacto com a biblioteca, que vai ser um lugar fundamental para a sua evolução.

Há um livro que perpassa toda a história, o livro “pássaro”, A Mãe, de Gorki, escondido em casa do pai e que acompanha, mais tarde Arnaldo na tomada de consciência política que desenvolve na Terra Vermelha.
Termina depois em 1974, com o 25 de abril, mas o 25 de abril aqui pela perspectiva desta colectividade, porque foi diferente e teve um momento importante. Foi destruída uma parede que guardava centenas de livros proibidos que estavam escondidos há muitos anos. A direção na altura fartou-se das buscas da PIDE e resolveu fazer uma parede falsa tapando esses livros. Então o 25 de abril, aqui esta colectividade, chegou com o derrubar dessa parede, com a abertura e com a saída desses livros proibidos.

Recolhas orais através da parceria com a Universidade Sénior do Barreiro

Foi um projecto de investigação demorado? Porquê?
"Foi demorado porque teve que ser um mergulho nos arquivos. Não só nos que já referi, mas também em alguma bibliografia, o que implicou muita leitura. E também nas recolhas orais que fiz, através da parceria que tive com a Universidade Sénior do Barreiro.
A dramaturgia também foi demorada. Este é um espectáculo de teatro documental, mas tem parte de uma história específica, tem uma linguagem muito poética em alguns momentos. Não é só uma leitura de documentos. Os documentos aparecem para servir o enredo principal.
Foi uma investigação longa e apurada. Cada vez mais, tento que elas sejam maiores e que sejam feitas no terreno. Porque só assim é que podemos também perceber a profundidade das histórias. Nestes tempos que correm, principalmente com os orçamentos que temos para a Cultura, toda a investigação que eu faço acaba por não ser paga. Porque demora muito tempo. Se fosse paga, então, o orçamento não chegava para o espectáculo. Mas a investigação tem que ser demorada. Temos que, cada vez mais, não ficar só pela vegetação de fora e não ir à raiz dos elementos e procurar novos elementos como matéria."

“Arquivo Colectivo da Terra Vermelha”

Ficha artística e técnica
Texto, dramaturgia e encenação: Isabel Mões
Apoio à dramaturgia: Nuno Coelho
Apoio à investigação e desenvolvimento do projecto: João Ferrador
Actores: Carla Carreiro Mendes e João Ferrador, com Céu Jesus, Elsa Coelho, Luís Miguel Nunes, Miguel Nunes e Patrícia Mealha.
Desenho de Luz: Tasso Adamopoulos
Sonoplastia: Sandro Esperança
Cenografia: Hugo Migata e Pedro Silva
Apoio à produção: Catarina Caim
Assessoria de imprensa: Levina Valentim
Design gráfico e de comunicação: Clara Barbacini
Registo fotográfico: José Frade
Vídeo e teaser: Rafael Fonseca

Apoio institucional: República Portuguesa – Cultura/ Direção-Geral das Artes

Parcerias: SIRB - Os Penicheiros, AADD, Associação Arquivo dos Diários, Espaço Memória- Barreiro, Câmara Municipal do Barreiro - Divisão do Património Cultural e Arquivo Histórico e Turismo, União de Freguesias de Barreiro e Lavradio.
Outros apoios: Câmara Municipal do Barreiro - Divisão de Cultura e Juventude, Universidade Sénior do Barreiro e Banda Municipal do Barreiro.

Apoios à divulgação: Antena 2, Coffeepaste, Jornal Rostos, O Setubalense

INFORMAÇÕES

Datas e horários
Estreia: 30 de maio de 2025
Espectáculos: 30, 31 de maio e 1, 6, 7 e 8 de junho de 2025
Sex, sáb: 21h30
Domingos: 16h
Sessão de 1 de junho - com interpretação em LGP

Local: Sociedade de Instrução e Recreio Barreirense, os Penicheiros
Rua Almirante Reis, nº 66, 2830-326 Barreiro~
Bilhetes: 8€ (preço único)
À venda na Bol e na bilheteira no localDuração: 80’
Classificação etária: M/12

13.05.2025 - 17:07

Imprimir   imprimir

PUB.

Pesquisar outras notícias no Google

Design: Rostos Design

Fotografia e Textos: Jornal Rostos.

Copyright © 2002-2025 Todos os direitos reservados.