colunistas
O Movimento das Espadas
Por Nuno Santa Clara
Barreiro

Se é verdade que quem não aprende com a História, está condenado a repeti-la, aqui fica este lembrete.
O anúncio de uma manifestação de oficiais do Exército que culminaria com a entrega das espadas ao Presidente da República, como Supremo das Força Armadas, terá deixado muita gente perplexa.
Mas não devia. Esta é apenas uma amostra de que o ensino da História de Portugal anda muito por baixo.
Por mim, deixou-me apenas uma sensação de “déjà vu”, por estranho que pareça.
Se não, vejamos: antes deste houvera já um “Movimento das Espadas” feito por oficiais generais em 5 de Dezembro de 1869, como forma de apoio ao Marechal Saldanha; e em 1915, outro “Movimento das Espadas”, que decorreu entre 20 e 25 de Janeiro, desta vez com contornos mais vincadamente políticos e não apenas corporativos. Vale a pena recordar este último.
Reinando nesta República recém-plantada à beira mar o Partido Democrático (um avatar do antigo Partido Republicano) com confortável maioria, a intromissão de critérios políticos nas promoções e colocações dos militares era frequente. De acordo com desse mau hábito, foi compulsivamente transferido de guarnição o major Craveiro Lopes (1), por se ter travado de razões com um notável do Partido Democrático. Os camaradas decidiram entregar as espadas ao Presidente da República, Manuel de Arriaga, em sinal de protesto. A este movimento se juntaram oficiais do Regimento de Lanceiros 2.
Foram detidos e encarcerados na veneranda fragata D. Fernando e Glória, surta no Tejo.
Entretanto, o próprio Machado Santos foi entregar a espada ao Presidente da República, gesto que, vindo de quem vinha, desencadeou uma crise, agravada com a posição tomada pelos partidos Unionista e Evolucionista (dissidentes do Partido Republicano), e tudo acabou com a demissão do governo e a nomeação do General Pimenta de Castro para formar novo governo, em “ditadura”, ou seja, fora do quadro parlamentar e até novas eleições. Nem foram aplicadas medidas de restrição de liberdades, pelo que o termo “ditadura” não pode ser transcrito para o contexto atual.
A situação assim instituída durou até à revolta de 14 de Maio desse ano, que terminou com a demissão de Manuel de Arriaga e do governo Pimenta de Castro, reintroduzindo o regime anterior, mas ao preço de cerca de 200 mortos e 1.000 feridos.
Claro que, por detrás da mera transferência de um major, estavam vários agravos institucionais e questões mais sérias, como a participação de Portugal na I Guerra Mundial. E que as medidas apaziguadoras de Pimenta de Castro face aos monárquicos e à Igreja Católica não agradaram aos republicanos radicais.
Mas estes dois episódios deixaram marcas profundas no País: criaram-se clivagens no Exército e na sociedade civil que levariam, a prazo, ao 28 de Maio. Em particular, dividiram as Forças Armadas em “guerristas” e “anti-gueristas”, uma divisão que marcaria por decénios a Instituição.
A título de exemplo, oporiam os veteranos de guerra ao “tenentes do 28 de Maio” – e, ainda aqui, também com uma componente corporativa (o atraso nas promoções).
Estamos pois como num “eterno regresso”, em que acontecimentos que parecem insólitos não são mais do que o resultado de tirar velhas coisas do baú.
Com um fundo comum: nos dois casos: foram as forças tradicionalistas e conservadoras que desencadearam o movimento, ainda que, no caso de 1915, com a ajuda de um progressista.
Se é verdade que quem não aprende com a História, está condenado a repeti-la, aqui fica este lembrete.
Nuno Santa Clara
Nota (1): o major, mais tarde general de divisão, João Carlos Craveiro Lopes, foi pai do general Craveiro Lopes, Presidente da República (1951-1958). Comandou uma brigada do CEP em França e foi Governador-Geral da Índia.
06.07.2017 - 17:07
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