colunistas
Foi V. quem pediu uma maioria absoluta?
Por Carlos Alberto Correia
Barreiro

Sim, eu sei, essas maiorias não serão necessariamente antidemocráticas. Pois claro! Tem razão. Mas não me vai dizer que desconhece o perigo de tal formação governamental. Desconhece-o? Então senhor? A Democracia não é, putativamente, o governo do Povo? Veja bem, está inscrito na palavra: demos (povo); cracia (forma de governo, autoridade). Sabe, no regime democrático, pelo menos em teoria, a soberania está no Povo. As instituições de poder serão portanto emanações representativas desse povo. Vai fazer-me o favor de reconhecer que, apenas em regimes despóticos o “povo” vota a volta dos 100% no mesmo partido ou no mesmo candidato. Vê, já começa a entender-me? Explico melhor.
As sociedades atuais são muito heterogéneas. Para tudo, até para a mais simples escolha, aparecem sempre uma multitude de opiniões divergentes. É natural! A diversidade de gentes, culturas, hábitos e inserções sociais, faz variar os pontos de vista e as escolhas. Concorda? Bem, então avancemos. A nossa Democracia denomina-se representativa, certo? Se aceita, por favor, siga o meu raciocínio. Sendo representativa os seus órgãos, mormente o Parlamento, deverá refletir, o mais possível, a variedade de perceções sociais. Concorda com o pressuposto? Sim, é de preclara simplicidade. Estou de acordo. Portanto, se a instituição política não representar essas diferenças entrará em débito democrático. Está bem, reconheço o valor da maioria. Longe de mim elidir tal conceito e valia. No entanto já pensou que as maiorias conseguidas são muito relativas – pense só no universo votante e na abstenção – e pergunte-se se numa maioria absoluta estarão representados todos os quereres de uma população? Evidentemente! Os valores dominantes, e de muito difícil alteração, serão os dessa maioria que, mesmo com as melhores intenções, irá considerar bom para todos o que, em último caso, apenas será aceitável para ela. Pois é, amigo. As Democracias sérias têm de contar também com, pelo menos, alguns desejos das minorias. Começa a ver o problema?
O Poder é uma coisa perigosa de apetites insaciáveis. Eu sei! Existem mecanismos para contrabalançar o desejo insaciável de crescer que o domínio exerce sobre todos nós, mortais. É dos livros! Deste modo e considerando que a Democracia não se faz com decisões unívocas, que é diferença e conflito, a melhor maneira de evitar sujar uma alma democrática chegada ao poder, é não dar azo a que, por falta de força de oposição, esteja livre para acreditar que todas as decisões que vier a tomar serão intrinsecamente democráticas. Aliás, prevendo inteligentemente isso, os nossos constitucionalistas introduziram na Constituição alguns entravezitos à possibilidade de se formarem maiorias absolutas. E olhe que não eram nada parvos! Conheciam os perigos dos desvios totalitários, esses fungos dos governantes democráticos quando, limitados, por arrogâncias várias, à sua visão restrita, perdem a noção de a sociedade ser muito mais complexa que os pensamentos, mesmo que bem intencionados, das suas cortes.
Olarela! É como lhe digo. No melhor pano cai a nódoa e vale mais prevenir que remediar. Ainda não percebeu que para quem governa uma maioria absoluta é um descanso que, no mínimo conduz à preguiça, ao adormecimento? Está lá a oposição? Pois está, mas se a maioria for absoluta bem pode pregar ao vento. Os votos permitirão a passagem de quase tudo. Tudo, isto é, o que interessar a esses maioritários. Bem vê, lidamos com homens, não com anjos. O melhor é dar-lhe o desgosto de se verem obrigados a negociar os seus intentos ainda que reconheça a legitimidade de, muitas vezes, fazerem valer as suas posições. Para tal foram votados, mas, mais uma vez lhe digo, mesmo a maior maioria absoluta não representará a diversidade da nação. A não ser, claro, na Democracia de qualquer Coreia do Norte.
Fiz-me entender?
Carlos Alberto Correia
09.01.2022 - 20:12
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