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As guerras de Tróia
Nuno Santa Clara
Barreiro

As guerras de Tróia<br />
Nuno Santa Clara<br />
Barreiro<br />
Notícias vindas a lume dizem que o “Mar de Tróia” vai ser zona livre para testes de novas tecnologias. Uma vez que tudo quanto represente investimento em tecnologia de ponta, em valorização da nossa região e em diminuir a dependência do exterior em matéria de defesa constitui boas notícias.

Para mais, o impacto ambiental deve ser mínimo, se não nulo, ou até positivo, se isso levar a condicionar a utilização de áreas que, de outra forma, estariam a ser alvo de especulação imobiliária e de utilização excessiva. Mesmo nos tempos da tecnologia incipiente (em termos atuais) de meados do século XX, a interdição de largas áreas em Santa Margarida ou em Alcochete levou à reconstituição da flora e fauna selvagem.

Como muito bem sabem os ingleses, que decidiram associar organizações de proteção do ambiente à gestão dos campos de tiro e áreas de manobras das suas Forças Armadas, com benefício para ambas as partes – e sobretudo para o ambiente, natural e social.
As “Guerras de Tróia” não são novas. Desde sempre a nossa Marinha utilizou aquela zona para pesquisa e instrução, pelo que, mais uma vez, nada de novo na frente (marítima) ocidental.

Mas há algo que merece ser recordado. No século XV começaram a vulgarizar-se as armas de fogo, e nada mais natural que instalá-las em navios. Só que se tratava de armas de pequeno porte, para uso anti pessoal, disparadas do castelo ou do convés dos navios, mas sem efeito real para as próprias embarcações. Decerto havia bocas de fogo mais pesadas, usadas em terra, mas, se instaladas no convés, elevariam o centro de gravidade do navio, comprometendo a sua estabilidade – e mais ainda pela força do recuo, com o disparo.

O “brain trust” do Príncipe Perfeito deitou mãos (e miolos) à obra, e encontrou a solução: instalar as bocas de fogo no piso inferior (coberta), disparando por umas aberturas no casco, que poderiam ser fechadas por umas portinholas, evitando a entrada de água em caso de mar grosso.

Para ensaiar esta revolução tecnológica, foi escolhido o estuário do Sado, perto de Setúbal (e de Tróia), confirmando-se a viabilidade da solução, com várias vantagens: os tiros acertavam perto da linha de água, comprometendo o navio adversário; os artilheiros estavam protegidos; e, além do tiro direto, se o projétil fizesse ricochete na água (como uma pedra atirada à mão), o efeito era praticamente o mesmo (era o chamado trio de chapeleta).

Foi com esta tecnologia que se conseguiram grandes vitórias navais nos mares do Oriente. Com origem num então obscuro e secundário estuário, quando ninguém sonhava que viria a ter um grande estaleiro, indústria pesada e milhares habitantes, fixos ou migrantes sazonais, enxameando pela os areais conhecidos até então apenas pelos romanos que ali se dedicavam a fazer conserva de peixe, vinte séculos antes da sardinha em lata.

Nuno Santa Clara

23.07.2022 - 14:13

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