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Assim vai a (in)Cultura em Portugal...
Por João Naia da Silva
Barreiro
É um momento cultural anual único em Portugal e pela sua grandiosidade tem sido amplamente divulgado a nível nacional e internacional.
Este ano, calhou um dos dias da feira, o primeiro sábado – por sinal um dos dias mais movimentados – coincidir com o dia do jogo entre o Benfica e o Santa Clara, a contar para a última jornada do campeonato. Até aqui estaria tudo normal, numa situação absolutamente normal. Dois eventos distintos no mesmo dia, num país democraticamente livre em que cada cidadão pode abertamente escolher qual deles eventos quer frequentar, ou até se não quiser frequentar nenhum destes e preferir ir ao cinema, ao teatro, ou assistir a uma qualquer partida de outro desporto que decerto nesse dia também se disputara.
No entanto isto não irá acontecer. A Feira do Livro de Lisboa será obrigada a ser cancelada a partir das 17h de sábado, pois prevêem-se festejos dos adeptos do Benfica na rotunda do Marquês de Pombal. Serão cancelados mais de 150 eventos nesse dia na Feira do Livro, marcados já há vários meses, porque os adeptos do Benfica vão para lá festejar, indubitável e incontestavelmente.
E agora pergunto, que legitimidade há para que isto aconteça? É que não tem a ver com um evento ser mais importante que o outro. Nenhum deles o é. Num país democrático nenhum destes eventos é importante o suficiente para se sobrepor por si só ao outro! Mas aqui o que vai acontecer é que os festejos da vitória do Benfica no campeonato, se vão sobrepor a uma Feira do Livro com impacto internacional e quase 100 anos de história. Alguém decidiu que seria correto cancelar a Feira do Livro de Lisboa, porque os adeptos do Benfica se acham na legitimidade de possuir territorialmente a rotunda do Marquês de Pombal a partir das 18 horas de sábado, mesmo já lá estando a decorrer outro evento.
Repare-se que eu discordo veementemente que os festejos do Benfica sejam cancelados! Devem ser festejados sim! Mas já que a sua coexistência com a Feira do Livro é impraticável, pela postura agressiva e descontrolada de muitos dos intervenientes, então que estes festejos sejam feitos noutro lugar, já que “chegaram” depois. É irrelevante se sempre foi ali que se festejou, o espaço é totalmente publico e este ano já está a ser ocupado por outro evento. Não me parece que seja sequer legitima esta discussão.
A cultura em Portugal anda pela hora da morte há muitos anos. Muitos mesmo. Arrisco até a dizer que sempre foi mais ou menos assim. Mas parece-me que nas últimas décadas se tem vindo a intensificar. As pessoas parece que dão agora menos crédito a uma ida ao teatro, ao cinema, a ler um livro, ir ao circo, etc.
Acredito que esta “intensificação” esteja diretamente relacionada com o contraste na erudição da população ao longo das décadas. Antigamente tínhamos muito mais pessoas analfabetas e sem qualquer acesso ao conhecimento, por isso era mais “aceitável” que a população não fosse tão culta. Hoje, pelo contrário, a esmagadora maioria da população tem acesso rápido ao conhecimento e sabe ler e escrever, por isso exige-se que haja mais cultura no povo. No entanto isso não acontece porque falta uma peça fundamental na engrenagem: o interesse.
Para mim é preocupante que, por exemplo, as pessoas fiquem chocadas com um bilhete de teatro a 25€ por pessoa, mas aceitem alegremente pagar 50€ para ir ver um jogo de futebol. Porque é que o primeiro é chocante e o segundo já é aceitável?
Repito, na minha visão, nenhum destes eventos é mais importante que o outro. Aliás, nenhum evento cultural é mais importante ou legitimo que outro qualquer evento cultural.
Devemos aprender a dar valor a todos os eventos culturais e à cultura no geral, e evitar ao máximo que haja atropelos culturais, por se achar que um evento é mais importante e legítimo que o outro. Não o é, e que se perceba isso, para bem da nossa cultura e da nossa democracia!
João Naia da Silva
24.05.2023 - 22:29
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