colunistas
Coisas velhas, coisas novas
Por Nuno Santa Clara
Barreiro

Considerado traidor, foi condenado à morte, tendo dito, no acto de execução, algo como “morro como bom servidor do Rei, mas Deus está primeiro”.
Foi canonizado em 1935, pelo Papa Pio XI, e declarado patrono dos estadistas e políticos pelo Papa João Paulo II em 2000. Cinco séculos depois.
Escreveu uma obra-prima de ciência política, a Utopia. Nela descrevia uma ilha imaginária, chamada precisamente Utopia, quase como o Paraíso na Terra.
Ora, utopia é uma palavra grega que se refere a uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições empenhadas e comprometidas com o bem-estar do conjunto.
Outros filósofos glosaram este tema, como Santo Agostinho, com a Cidade de Deus, ou, de certo modo, Erasmo de Roterdão, com o Elogio da Loucura, dedicado a Thomas More.
O interesse desta divagação histórica está na Utopia. A dado passo, More dizia que o governo da Ilha era avesso às guerras; mas, se elas ocorressem, o primeiro cuidado era pôr a um prémio generoso pela cabeça do rei inimigo. Consideravam que haveria sempre um traidor seduzido pelo chorudo prémio, e a esperança de vida do agressor diminuía drasticamente, fazendo-o repensar a sua política externa.
Nada de extraordinário. O nosso (espanhol também) Viriato, terá tentado chegar a acordo com os romanos. Quinto Servílio Cepião, aceitou receber três emissários de Viriato, Audax, Ditalco e Minuros, a quem subornou. No regresso ao campo lusitano, assassinaram o seu chefe enquanto dormia. Segundo a tradição, após a sua sórdida façanha, foram reclamar o pagamento combinado; Cipião respondeu que “Roma não paga a traidores”, e assim poupou os dinheiros do Império.
Ao contrário de Francisco I, depois da batalha de Pavia, tudo se salvou, menos a honra.
Não foi o primeiro caso, nem será o último.
Após a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), com todas as brutalidades e excessos, a Europa pareceu mergulhar num mundo de racionalidade. Guerras, houve, mas havia o cuidado de poupar as populações às violências que estavam na memória de todos. Foi o que se chamou “la guerre en dentelles”, a guerra de rendas, percursora dos acordos das potências europeias, que visavam não só o Jus ad Bellum, o Direito da Guerra, mas também o Jus in bello, o Direito no comportamento dos combatentes.
Nesse Direitos, as chefias políticas e os diplomatas estavam protegidos. Um país atacado dava salvo-conduto aos diplomatas inimigos, e estava fora de causa demandar o soberano adversário.
A Revolução Francesa veio subverter este ambiente quase pacato com a politização das massas e o nacionalismo nascente. De questões dinásticas passou-se ao exército de massas, à insurreição popular e à guerrilha, com excessos de ambas as partes, situação que fez escola até aos dias de hoje.
Interessa aqui a legitimidade da doutrina de Thomas More. Será aceitável o assassinato do líder adversário? Por outras palavras, teria sido legítimo assassinar Hitler, Mussolini ou Lenine? Teria esse acto poupado milhões de vítimas?
A questão parece estar ultrapassada. Longe vão os tempos em que o assassinato político era exclusivo dos anarquistas. Hoje respeitadas potências recorrem a esse método, e com pompa e circunstância em caso de sucesso, como no caso de Bin Laden e seus acólitos.
De modo que assim vamos vivendo. Com a consolação de que os decisores não estão a salvo de consequências, mas com a inquietação decorrente dos efeitos colaterais.
Porque, se os americanos executaram uma operação pontual, sem baixas de inocentes, no caso da Palestina é diferente: se há um suspeito, vai o prédio, a escola, o hospital, a mesquita ou mesmo o quarteirão abaixo.
É a aplicação do conceito espresso por Arnaud Amalric, o chefe da cruzada contra os cátaros (1209), quanto ao destino dos habitantes da cidade de Béziers, onde conviviam cristãos e cátaros: “Matai-os a todos; Deus reconhecerá os Seus”.
Nuno Santa Clara
19.10.2024 - 21:31
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