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A (I) Lógica da guerra
Por Nuno Santa Clara
Barreiro

A (I) Lógica da guerra <br />
Por Nuno Santa Clara<br />
Barreiro O Século XVIII foi chamado das Luzes, como também Século da Razão, da Ilustração ou do Esclarecimento, devido à pujança do movimento filosófico, científico e até artístico que se manifestou nesse período.
Tudo devia ter uma explicação científica, e as Ciências tradicionais sofreram um grande abalo, como também no domínio da Religião.

A essa sanha inovadora e pioneira não escapou a Arte da Guerra, domínio reservado até então aos comentadores dos clássicos e alguns criativos, depressa tornados clássicos, também eles. O grande sistematizador foi o general prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831) que, embora tendo produzido a sua obra de referência Vom Kriege (Da Guerra) já no século XIX, era bem o paradigma do pensamento iluminista.

Segundo um ditame dele, tornado clássico, a Guerra é a continuação da Política (ou da Diplomacia) por outros meios. Assim sendo, o fim das guerras é sempre político, e o objectivo final é fazer o adversário vergar-se à nossa vontade.
Segundo o mesmo a Autor, se conseguirmos atingir esse objectivo sem combate, melhor ainda. Estamos assim no oposto da guerra de extermínio, da eliminação biológica da face da terra de um povo inimigo. Na lógica das Luzes, de nada valia exterminar o adversário: melhor é pô-lo a trabalhar para nós. Conforme o velho ditado: o inimigo de ontem é o cliente de hoje e o aliado de amanhã. A História da Europa, sobretudo a recente, está cheia de exemplos disso.

Mas se, ainda conforme Clausewitz, a guerra é a ascensão aos extremos, a racionalidade perde-se, em favor da violência. E assim a engrenagem do conflito pode acabar por fazer esquecer o primado do objectivo político.
O exemplo máximo é o desencadear da I Guerra Mundial. Todos os líderes europeus estavam de férias quando os Estados-Maiores da Alemanha e Áustria deram origem a um processo imparável, que acabou em quatro anos de conflito e na decadência da Europa. Ao contrário do que dizem os compêndios, não houve vencedores: só vencidos, com a excepção dos Estados Unidos da América.

A guerra, que se julgava banida da Europa, regressou em força, primeiro na ex-Jugoslávia (um conflito de extermínio em contexto não clausewitziano), e agora na Ucrânia, com contornos mais clássicos: impor a nossa vontade, e subjugar as populações.
Só que o desenrolar do conflito levou a uma dinâmica de acção-reacção que ultrapassou as previsões iniciais. E eis os opositores a entrar em escaladas que não estavam previstas e que têm mais de improviso do que de planeamento.
E aqui a lógica da guerra esfuma-se, em favor de soluções por vezes disparatadas.

Quando, em Fevereiro de 1916, o general alemão Erich von Falkenhayn decidiu iniciar a famosa Batalha de Verdun, esta cidade era uma praça secundária, com uma guarnição de reservistas e veteranos. O ataque mobilizou os franceses, que não queriam perder uma cidade histórica. Era esse o plano de von Falkenhayn: forçar uma batalha de desgaste, em que os franceses perderiam um milhão de homens e os alemães metade disso. Sendo a população alemã o dobro da francesa, a perda seria a quadruplicar.
Do ponto de vista aritmético, está certo; mas tratava-se de vidas humanas...
O recente desenvolvimento da administração Biden, ao autorizar a utilização de mísseis de maior alcance, merece ser analisado. Estando a administração de saída, não deveria tomar decisões que condicionassem a próxima administração.

Dir-se-á que é um problema académico, mas uma frente de combate tem pouco de académico.
Se, na tal (i) lógica da escalada, a iniciativa de Biden der origem a uma forte reacção, a próxima administração pode ficar sem margem de manobra. E assim a (i) lógica da guerra alimenta-se a si mesma, impondo aos decisores políticos uma situação sem retorno.
O que nos deixa na posição do Primeiro-Ministro francês, Georges Clemenceau (1841-1926), quando confrontado com os sacrifícios impostos aos soldados franceses: je fais la guerre! (eu faço a guerra!). Ou seja, a guerra justifica-se a si mesma.

Resta saber porque razão aparecem dez mil norte-coreanos na região de Kursk. A explicação fácil é a falta de efectivos dos russos; os norte-coreanos ocupariam uma fatia da frente, em território russo (fora da área de influência da CE ou da NATO), aliviando os seus já antigos aliados.
Mas parece mais provável admitir que a frente da Guerra da Ucrânia se tornou numa Escola Prática da guerra moderna, acessível a quem estiver interessado.
De modo que quem se deve preocupar com estes “estagiários” não é a Europa, mas a Coreia do Sul e o Japão.
Desta vez, com toda a lógica.

Nuno Santa Clara





25.11.2024 - 20:36

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