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Contra correntes
Por Nuno Santa Clara
Barreiro

Contra correntes<br />
Por Nuno Santa Clara<br />
Barreiro Não é gralha: existe a conta corrente, método de contabilidade e gestão, ligando dois intervenientes com negócios continuados.
Mas as correntes de que vamos falar são outras.

São as que guardamos nas nossas memórias, as imagens dos africanos capturados em guerras instigadas e patrocinadas, arrebanhados como gado, acorrentados como criminosos, embarcados como mercadoria e como tal classificados, protagonizando um comércio que alimentou sobretudo a colonização das Américas, Norte, Centro e Sul, cujo resultado é visível hoje na larga proporção dos seus descendentes na população dessas Américas.

Não foi uma imigração voluntária, ainda que a contra gosto, como hoje se faz: foi uma violência organizada, para garantir matéria-prima necessária a uma agricultura intensiva, que esteve na origem do capitalismo moderno. Da fase artesanal dos árabes, no Índico, dos magrebinos, no Mediterrâneo, e dos portugueses, no Atlântico, passou-se à fase industrial, pela mão dos ingleses, franceses, holandeses e outros povos dinâmicos, nos séculos XVII e XVIII.

Em 1865, foi aprovada a XIII Emenda (Amendment) à Constituição americana, segundo o qual “Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito à sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição por um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado”.
Recorde-se que a Constituição tinha entrado em vigor em 1789 e era pelo menos omissa quanto à escravatura.

Em 1868 foi aprovada a XIV Emenda, onde se diz que “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos”. Segundo os conceitos básicos do ordenamento jurídico, uma ordem executiva (espécie de decreto) não pode contrariar um preceito constitucional...

E eis que voltamos a ver seres humanos acorrentados a cruzar a fronteira dos Estados Unidos da América, agora em sentido contrário, já não em navios negreiros, mas em aviões das Forças Armadas, para espanto das gentes e indignação dos países de destino.
Como diria o famoso Diácono Remédios, criado por Herman José, “não havia necessidade!”. A menos que a humilhação pública estivesse no conceito de manobra.
Daí o nosso dever de ser contra as correntes.
Contra o acorrentar das pessoas, prática que se julgava abolida em terras civilizadas.
Contra as correntes de pensamento (?) que parecem encontrar legitimidade para esta e outras formas de atentar contra a dignidade humana.

Sobretudo, não esquecendo a Declaração de Independência dos EUA, de 1776: “Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade.

Nuno Santa Clara



04.02.2025 - 18:42

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