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Segunda batalha de Kursk
Por Nuno Santa Clara
Barreiro

Segunda batalha de Kursk<br />
Por Nuno Santa Clara<br />
Barreiro O nome de Kursk voltou à baila, depois da ofensiva ucraniana de 6 de Agosto de 2024, em que as tropas de Kiev entraram em território russo, chegando até perto de Kursk, sem grande oposição. E mais: até há poucos dias, registavam-se apenas escaramuças naquela região, como se tratasse de um teatro de operações secundário, e não da libertação do sagrado território da Mãe Rússia.

Mas voltemos atrás.

A Batalha de Kursk foi um grande combate que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial entre as forças da Alemanha e da União Soviética, entre Julho e Agosto de 1943. A contra ofensiva soviética, depois do desastre alemão de Stalingrad (Agosto 1942 – Fevereiro de 1943) tinha levado à criação de um saliente na frente, com centro em Kursk. O marechal alemão von Manstein idealizou um ataque ao saliente, de uma maneira clássica: tropas de infantaria num ataque frontal, para fixar o adversário, e um duplo envolvimento com tropas blindadas e mecanizadas, a Norte e a Sul, convergindo sobre Kursk, cercando e isolando as forças soviéticas. Na ofensiva participariam as melhores tropas, as unidades blindadas das Waffen SS, equipadas com os novos carros de combate Kw V Panther, com uma peça de 75mm, e Kw VI Tiger, com uma peça de 88mm.

Porém, os soviéticos sabiam da ofensiva, e reagiram com uma defesa em profundidade, com fossos, campos de minas a armas anticarro. A máxima penetração alemã andou pelos dez quilómetros, e a operação foi interrompida por Hitler, preocupado com o desembarque da Sicília e a abertura da segunda frente na Europa.
Esta foi a maior batalha de blindados da II Guerra Mundial, com cerca de sete mil carros de combate empenhados, dos quais a maioria ficou reduzida a sucata enegrecida.
Na continuação, os soviéticos lançaram uma operação, por assim dizer simétrica, sobre o saliente alemão de Orel, desta vez com êxito.
E foi o fim da iniciativa alemã a Leste.

Oitenta anos depois, a Ucrânia lançou um ataque sobre Kursk. Como se disse, sem grande oposição dos russos, até há poucos dias.
A primeira reacção foi de que a Rússia estava esgotada, a ponto de deixar ocupar o seu território sem reacção de vulto. É o que se chama optimismo galopante.
Há uma diferença abissal entre 1943 e 2024. Na Frente Leste da II Guerra Mundial, não se ligava muito às baixas, sobretudo os soviéticos. Portanto, derreter unidades em ataques suicidas era prática corrente. Na guerra actual, a preocupação com as baixas fez pender os combates para os drones não tripulados, mísseis e artilharia. Como se tivéssemos voltado à I Guerra Mundial: a artilharia conquista e a infantaria ocupa.

Talvez por isso, a Rússia não se preocupou com aquele abcesso no seu território, sabendo que, a seu tempo, a questão se resolvia, com economia de meios. E mais: obteve a ajuda de tropas norte coreanas, actuando, não na Ucrânia, mas na Rússia, com dez mil militares a treinar numa guerra moderna, com se de uma gigantesca escola prática se tratasse. Aviso para os vizinhos da Coreia do Norte.
E talvez ainda o comando russo, ao ver a mais fraca Ucrânia a dispersar forças preciosas, se tenha lembrado da batalha de Austerlitz (1805), actualmente na República Checa. Napoleão enfrentava uma coligação essencialmente de russos e austríacos, e na formação para a batalha deixou o seu flanco direito pouco guarnecido. Notando isto, os austríacos atacaram esse flanco, que parecia estar a ceder. A firme determinação francesa e a chegada de reforços estabilizaram a situação. Os russos reiteraram o esforço sobre a direita francesa, desguarnecendo o centro do dispositivo, o terreno dominante do planalto de Pratzen. Napoleão reagiu, ocupou Pratzen e derrotou as forças da coligação.

Quando os generais de Napoleão viram o início da manobra russa, perguntaram ao Imperador: atacamos agora? E ele deixou uma frase para a História: nunca se interrompe o adversário quando está a cometer um erro!
Teria sido esse o pensamento do actual comando russo?
E ainda outro ponto de reflexão. Após a batalha, quando todos comemoravam, alguém se queixou: perdemos vinte mil homens! Napoleão saiu-se com outra: uma noite de Paris repõe o nível!
Considerando os militares material descartável, estaria certo; mas ainda assim levava vinte anos a repor o nível.
De modo que umas leiturazinhas não fazem mal a ninguém, e podem evitar males profundos e por vezes irremediáveis.

Nuno Santa Clara

10.03.2025 - 23:38

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