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Guerra ou paz?
Por Carlos Alberto Correia
Barreiro

Guerra ou paz?<br />
Por Carlos Alberto Correia<br />
Barreiro Que me seja perdoada a incomensurável vaidade, que assumo na publicidade aqui descaradamente feita, mas no meu romance “Concerto para Sanca João” uma personagem, em diálogo com o protagonista, no cenário da Guerra Colonial, na Guiné, afirma que a “paz é apenas um intervalo entre guerras”.

Assim, indo no encalço dessas afirmações, aplicando-as aos tempos que vivenciamos, decidi aprofundar um pouco a verdade existente na afirmação proferida pela personagem citada.

Deste modo, o conceito de que "a paz é somente um intervalo entre guerras" encontra eco profundo nas dinâmicas geopolíticas das últimas duas décadas. Observando o cenário global recente, torna-se evidente como períodos considerados pacíficos são, na realidade, interlúdios precários marcados por tensões latentes, preparando terreno para novos conflitos. O início do século XXI prometia um mundo mais estável após o fim da Guerra Fria, porém cedo se mostrou marcado por recorrentes perturbações e confrontos.

Logo no começo deste período, em 2001, os atentados terroristas de 11 de setembro redefiniram radicalmente o panorama internacional, inaugurando um extenso ciclo de conflitos no Médio Oriente, particularmente no Afeganistão e no Iraque. Esses conflitos, que perduraram por anos sob a alcunha da "Guerra ao Terror", ilustram claramente como a suposta paz dos anos 90 não passava de um frágil intervalo entre disputas maiores. A intervenção norte-americana no Iraque em 2003, baseada em pretextos amplamente questionados, gerou consequências duradouras, alimentando instabilidades regionais e propiciando o surgimento de novos grupos extremistas, como o Estado Islâmico.

Porém, o Médio Oriente não foi o único epicentro de conflitos recentes. A Primavera Árabe em 2011, inicialmente saudada como um movimento democrático, degenerou rapidamente em guerras civis devastadoras em países como a Síria, Líbia e Iémen. Estas guerras não só causaram um enorme custo humanitário, como também tiveram implicações globais através das crises migratórias, mostrando que períodos de aparente paz escondem muitas vezes profundas fraturas políticas e sociais.

Na Europa, continente que há muito tempo vivia sob aparente estabilidade, a invasão da Crimeia pela Rússia em 2014 e, posteriormente, a invasão em larga escala da Ucrânia em 2022, revelaram que a ideia de uma "paz perpétua" após a Segunda Guerra Mundial era ilusória. Esses eventos reavivaram antigas tensões geopolíticas e colocaram novamente o continente no centro de uma possível crise global, ameaçando inclusive com a possibilidade de confrontos nucleares.

Paralelamente, os conflitos na África Subsaariana, embora menos destacados nos média globais, também reforçam a tese de que a paz é temporária. Países como Sudão, Mali, República Centro-Africana e República Democrática do Congo têm enfrentado ciclos contínuos de violência, frequentemente interrompidos por acordos frágeis de cessar-fogo e missões internacionais de paz, que raramente conseguem resolver as causas estruturais das disputas.

Também na Ásia, a ascensão da China como potência económica e militar tem intensificado tensões no Mar do Sul da China e com Taiwan, colocando a região sob uma permanente ameaça de conflito aberto. A situação da Coreia do Norte, com testes nucleares recorrentes e a constante retórica belicista, contribui ainda mais para essa atmosfera de paz instável.

Esses exemplos revelam que, sob a superfície dos períodos chamados "pacíficos", existem sempre interesses estratégicos, rivalidades históricas, desequilíbrios económicos e ideológicos e disputas territoriais mal resolvidas que podem rapidamente degenerar em conflitos armados. Portanto, ao analisar criticamente os últimos vinte anos, é inevitável concluir que a paz não representa necessariamente a ausência de guerra, mas um breve interlúdio, frequentemente marcado por preparações silenciosas para futuras disputas, reforçando a ideia perturbadora, porém realista, de que a verdadeira paz, robusta e duradoura, continua sendo uma utopia distante.

A persistente continuidade de conflitos sugere que a guerra pode estar intrinsecamente ligada à condição humana, apontando o homem como o maior predador do planeta, não apenas pela capacidade de dominar outras espécies, mas principalmente pela tendência autodestrutiva. Esta constatação dialoga com a célebre equação de Drake, desenvolvida para estimar o número de possíveis civilizações extraterrestres avançadas. Nos termos da sua equação, há um estágio crítico no qual as espécies desenvolvem tecnologias suficientemente desenvolvidas capazes de destruir toda a vida no seu planeta. Supõe que poucas conseguem ultrapassar este perigoso limiar sem autodestruir-se. As civilizações que superam esse estágio tendem a alcançar progressos notáveis, sugerindo que a humanidade se encontra, atualmente, diante deste delicado e decisivo momento evolutivo, em que a escolha entre autodestruição e avanço sustentável se torna cada vez mais urgente e crucial.

Diante desse cenário complexo e desafiador, as perspetivas que se apresentam à espécie humana exigem profunda reflexão e mudanças de paradigmas. Uma das possibilidades concretas para a superação deste determinismo fatalista reside justamente na cultura. A educação, o diálogo intercultural, o fortalecimento das instituições democráticas e o respeito pelos direitos humanos podem ser ferramentas eficazes para mitigar as causas profundas dos conflitos. Investir em diplomacia, cooperação internacional e governança global também são estratégias vitais para transcender o ciclo vicioso das guerras.

A história humana, apesar de marcada pela violência, é igualmente rica em exemplos de superação, solidariedade e transformação cultural positiva. Assim, é possível acreditar que, mesmo frente à aparente inevitabilidade da guerra, há espaço para escolhas coletivas que permitam à humanidade avançar rumo a uma civilização mais pacífica e evoluída. A cultura, em dimensão mais ampla e humanista, pode ser a nossa melhor defesa contra esse cruel determinismo, representando a esperança de um futuro diferente e mais promissor.

O problema está em que, para isso acontecer, a Humanidade terá de perder o egoísmo natural e substituí-lo pelo interesse comunitário. No entanto, como nota final, relembro estarmos na era Trump.

Aí é que está o “busílis”.

Carlos Alberto Correia

17.04.2025 - 22:59

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