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Humanitarismo, ou talvez não
Por Nuno Santa Clara
Barreiro

Humanitarismo, ou talvez não<br />
Por Nuno Santa Clara<br />
Barreiro Há poucos dias, fomos surpreendidos pela notícia da evacuação e tratamento, em Israel, de dois feridos da luta entre facções em que a Síria, recém-liberta do regime de Bashar al Assad, se vê agora envolvida.

Tratava-se de dois drusos. Para os distraídos, os drusos são uma comunidade étnico-religiosa, com origens no ramo xiita do Islão, que se desenvolveu a partir do século X. A maioria dos drusos vive dispersa pela Síria e Líbano, e, curiosamente, em Israel, onde os drusos são bem aceites pelos israelitas.
Este acto humanitário, assim anunciado, está em vivo contraste co a situação dos palestinianos, que Israel sujeita a um regime semelhante ao do gueto da Varsóvia (1940-1943), e a quem, após destruir as casas, está a bombardear as tendas. Mais de 50.000 mortos e o triplo de feridos dá uma ideia da tragédia.

O gesto simpático para com os drusos, em números, é irrelevante, mas tem um certo simbolismo. Será que os israelitas decidiram o inverter o caminho, tal como S. Paulo, que se converteu a caminho de Damasco, a actual capital síria?
Obviamente que não. Apoiar os drusos é uma forma de minar a unidade síria, e um Estado fraco é sempre um convite à intervenção de uma potência vizinha.

Sobretudo quando o direito de conquista tem sido reconhecido a Israel, tacitamente, pela falta de reacção de muitos países, ou abertamente, com a actual administração americana. Esse direito é veementemente negado pela Rússia, mas isso são outros contos, porque o Direito Internacional é fortemente condicionado pela geopolítica e pelos interesses da cada Estado.

Um olhar atento revela que, além do interesse de Israel em ter vizinhos fracos, a Síria fica no caminho para o Iraque, e este tem fronteira com o Irão. O controlo da Síria facilitaria uma intervenção no Iraque, e a conivência deste colocaria o Irão ao alcance, já não da aviação, drones e mísseis, mas da própria artilharia e meios terrestres.
Aproveitar as questões religiosas para agir na política externa ou interna não é novidade. Bem pelo contrário, sempre se fez, mas por vezes com acções e resultados inesperados. Veja-se como o Cardeal Richelieu apoiou os protestantes para abater a muito católica Casa de Áustria, durante a Guerra dos Trinta Anos. Quanto aos problemas de consciência, o mesmo Richelieu, no leito de morte, quando lhe foi perguntado se perdoava aos seus inimigos, teve uma saída airosa: os meus únicos inimigos eram os inimigos do Estado. Se o Estado lhes perdoou ou não, é outra questão.

Explorar as divisões entre católicos e protestantes deu frutos (amargos) no passado.
Explorar as divisões entre sunitas, xiitas, drusos, ismaelitas e outros ainda parece dar resultado.
Até que alguém diga, como Cícero ao Senado de Roma: quosque tandem? (Até quando?)

Nuno Santa Clara

05.05.2025 - 23:19

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