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BARREIRO - Na Cooperativa Cultural Barreirense
Apresentação de «Sonhos de Amanhãs» de Rosário Vaz
«O amor tem um lugar privilegiado nesta obra»
Hoje, à tarde, decorreu na Cooperativa Cultural Popular Barreirense, a sessão de lançamento do livro «Sonhos de amanhãs- Interioridades», de de Rosário Vaz. Ana Garrido, foi a oradora convidada para apresentar a obra, tendo sublinhado que "é sobre a vida concreta, imanente, natural, relacional e não sobre fantasias, delírios, surrealidades ou transcendências" que se funda a poesia de Rosário Vaz.
Apresentação de «Sonhos de Amanhãs» de Rosário Vaz
na Cooperativa Cultural Barreirense>
no dia 25 de outubro de 2025
Por Ana Garrido
A primeira epígrafe deste livro de poesia de Rosário Vaz é um pensamento de Eduardo Lourenço (na p.7) que reza assim: «O que diz a palavra poética? O que não pode ser dito senão por essa mesma palavra». Creio que a autora partiu exatamente desse pressuposto: a sua palavra poética exprime o que ela não poderia ter dito de outra forma. Memórias, esperanças, sentimentos de vazio e de amor, revolta, silêncios, jogo de esconder-dizendo. A palavra poética à sua disposição.
A segunda epígrafe, de Teixeira de Pascoaes, é uma curta sugestão: «Criação quer dizer saudade», que nos remete, neste livro, para a importância da memória. E neste caso da memória da vida vivida com os outros e a solo. «Escrever é, de algum modo, fixar memórias, no sentido de reunir o que nos dispomos a libertar.» diz a autora na Nota de Abertura. A escrita vista como guardiã da memória, como gesto de reflexão e de escolha, como forma também de libertação. E sem dúvida como um processo de autoconhecimento. No último parágrafo desta nota pode ler-se: «Escrever é, neste caso, um exercício retardado no tempo porque nos aparece como reposição de um passado que só agora se valoriza ou a que se tenta dar um sentido. É, talvez, a vontade encoberta de nos conhecermos melhor a nós próprios».
É sobre a vida concreta, imanente, natural, relacional e não sobre fantasias, delírios, surrealidades ou transcendências que, do meu ponto de vista, se funda a poesia de Rosário Vaz. Vemos isso logo no primeiro poema «Viver sem limites» da página 17. O que o sujeito quer é a consciência do momento, a capacidade de amar, não no abstrato, mas amar, amando, como ele (sujeito poético) diz. E no poema que se chama «Viver», da página 35, define-se viver como força, como alegria e tristeza, como «isto», deítico relacionado com o eu, o aqui e o agora. Embora o último verso fale de um além (além de mim) não creio que se trate de um além transcendente. Neste poema há um verso de que gosto particularmente: «viver é um fôlego intenso e rápido» Parece-me uma imagem muito expressiva, que interpreto como desejo de viver com velocidade, com intensidade, com fruição e também no limite das capacidades. Aliás esta forma de viver assim intensa assoma também no poema «És tu e o outro» que termina com o verso «E num jacto, viver!
Mas viver é necessariamente uma efemeridade. Esta ideia da efemeridade percorre o livro. «Foge-me o tempo» diz-se na página 27. O poema (da página 57) que se intitula «Tudo é efémero» termina com os versos «Tudo é efémero /nada muda. /Ninguém resta». Sim, ninguém resta. Mas nada muda? É um pouco intrigante este verso. No poema chamado «Corpo adormecido» (página 69) vemos os três últimos versos também a afirmar a efemeridade: «no entardecer que chega/ e uma alma que escurece/ no sol pôr da finitude». No sol pôr da finitude. Bela expressão!
O amor tem um lugar privilegiado nesta obra. Amor associado à imanência (viver é amar o que é), à impossibilidade, ao querer sem poder, do poema «No impossível do presente», amor associado ao coração oposto à razão em «Inevitabilidade», associado ao afeto, à maternidade, como no belo poema «Mãe» (página 25) ao desejo (como no poema «Desejos» da página 93) e também ao mistério, como vemos no poema «Expectativa» da página 77.
Outras linhas de sentido, a do silêncio (muito interessante) e a da revolta, por exemplo, estão presentes em Sonhos de Amanhãs. De vez em quando, ao lermos esta poesia, sente-se um eco de Camões. É o que sucede na leitura de «Inevitabilidade» e «Sobressalto».
Deslizando agora um pouco do texto para a autora e para o auto e heteroconhecimento da mesma (sair da obra para a autora é um passo perigoso e nem sempre recomendável, mas arrisco). Reconhece-se neste livrinho o maravilhoso afeto e a energia dinâmica da Rosário Vaz, a sua entrega à vida e aos outros, e descobre-se também a expressão de uma hesitação interior, uma ponderação, que é menos visível à vista desarmada.
Ana Garrido
25.10.2025 - 21:05
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