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Barreiro - Efeméride 1886-1953
Há setenta anos falecia o escuteiro e padre Abílio Mendes
Por Gonçalo Brito Graça

Barreiro - Efeméride 1886-1953<br />
Há setenta anos falecia o escuteiro e padre Abílio Mendes<br />
Por Gonçalo Brito Graça Nascido em Mira de Aire (Porto de Mós), foi padre e escuteiro desde cedo, fundando vários grupos no Brasil e Barreiro. Conhecido pela sua simplicidade, criou a sopa dos pobres e enfrentou várias vezes a polícia política. A 23 de fevereiro de 1953 partiria para o Eterno Acampamento.

De seu nome Abílio da Silva Mendes, nascido em Mira de Aire, no concelho de Porto de Mós a 12 de março de 1886. Teve uma vida atribulada em todos os sentidos. Logo que saíra do seminário, pouco tempo depois da queda da monarquia, sofrera vários episódios de violência anticlerical e que o marcariam para sempre. Fora nomeado padre em Alcanena, e uma vez teve se enfrentar às pedradas de um grupo que o perseguia. Ao perceber que a sua família também corria perigo, decidiu exilar-se e rumou com todos ao Brasil em 1912. Primeiro aportou à cidade de Aracajú, e aí fora responsável de duas paróquias. Mais tarde seria transferido para a capital Rio de Janeiro, onde com 34 anos de idade, se estabelecera em Niterói. E aí conheceu um dos melhores momentos da expansão escutista no outro lado do Atlântico, quando as principais associações brasileiras começavam a dar os primeiros passos.

É nesse contexto que fundou o Grupo 11-Niterói da Associação dos Escoteiros Fluminenses, e no qual se manteve até 1929. Não fosse o facto de ser ter confrontado com o arcebispo carioca por divergências quanto às vendas de umas propriedades, o que resultou no castigo de ser enviado para a cidade de Juiz de Fora, a mais de 300 km de distância. E longe da sua própria família que entretanto se tinha fixado na cidade maravilhosa. Inconformado por natureza, e agora em Juiz de Fora, o Padre Abílio Mendes também não ficou calado. Desta vez seria contra a política ditatorial de Getúlio Vargas, a qual criticava no jornal local para que ficasse registado. Mais um castigo e uma nova expulsão. Não para outra cidade brasileira, mas sim de volta para Portugal.

Chegou a Lisboa em 1931 e no ano seguinte seria nomeado pároco em Santa Cruz, no Barreiro. Os dois primeiros anos foram marcados por várias tentativas de fundar associações de leigos na paróquia. Algumas com mais êxitos que outras, mas efetivamente o escutismo foi a maior de todas. O movimento de Baden-Powell não era uma novidade no Barreiro. Anos antes já tinha havido grupos da União dos Adueiros de Portugal e da Associação dos Escoteiros de Portugal na vila. A novidade, essa sim, é que nenhuma era católica.

A oportunidade surgiu em janeiro de 1935 quando vários grupos de Lisboa resolveram visitar o Barreiro e acampar nas imediações, por ocasião da visita do cónego Martins Gonçalves, assistente nacional dos escuteiros católicos, que se deslocara diretamente de Braga para celebrar uma procissão em Santa Cruz. Este pequeno contato permitiu conhecer a associação de perto e encetar os primeiros esforços para fundar um grupo de scouts. Afinal o Padre Abílio Mendes era chefe! E assim foi. Nasciam o Grupo 130 “Gualdim Pais” e a Alcateia 79 “João de Deus" no ano seguinte e, a partir daí nunca mais parou. Fundou o Grupo 100 "Beato João de Brito" no Lavradio (1937), o segundo grupo de escuteiros marítimos a nível nacional (1938) e ainda dois grupos seniores nas imediações da Travessa Luís de Camões (1941). Não satisfeito, até conseguiu que o VII Acampamento Regional de Lisboa se realizasse na Quinta do Franco, no Lavradio, em 1939, quando a poluição das fábricas da CUF manifestamente afastava qualquer interesse em visitar o Barreiro.

Músico e jornalista nas horas vagas, escreveu várias partituras e artigos para a imprensa local, e ainda conseguiu editar o seu pequeno jornal intitulado "O Acampamento". A liberdade que manifestava em expor as suas opiniões nem sempre agradou aos representantes do Estado Novo. E quando rebentou a Segunda Guerra Mundial, não hesitou em criticar publicamente o expansionismo de Adolf Hitler na Europa, o que lhe valeu ser interrogado pela polícia política.

Apenas o débil estado de saúde o fazia acalmar. Bastante marcado pelas varizes, passaria os dez últimos anos da sua vida em idas e vindas constantes ao hospital, mas sem que condicionasse o seu labor em trabalhar por um mundo melhor. Acabaria por falecer a 23 de fevereiro de 1953 no Hospital dos Franceses, no Bairro Alto, em Lisboa, precisamente há setenta anos. A sua estátua na Praça de Santa Cruz tem um epitáfio bastante elucidativo e é com essas palavras que terminamos: «Ao homem simples, ao padre humilde, ao grande barreirense do coração.»

Gonçalo Brito Graça

23.02.2023 - 00:34

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