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Na Escola Secundária de Casquilhos
Conversas com o filósofo João Carlos Silva
“Por que é que tudo isto existe?”

Na Escola Secundária de Casquilhos<br />
Conversas com o filósofo João Carlos Silva<br />
“Por que é que tudo isto existe?” No passado dia 21 de novembro, pelas 14h30, teve lugar na Escola Secundária de Casquilhos (na Biblioteca) o encontro com João Carlos Silva. O encontro integrou-se no Projeto “Conversas com…” que tem como objetivo facultar aos alunos a possibilidade de contatar e conversar com especialistas/ profissionais de áreas diversas. Neste caso, uma vez que era o Dia Mundial da Filosofia, convidou-se o Filósofo João Carlos Silva.

A organização contou com a participação das Professoras Maria Emília, Marília Constantino, Graça Carvalho e do professor estagiário Pedro Gonçalves.

No momento de abertura da sessão, lembrou-se o contexto do Dia da Filosofia, proclamado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e a escolha da terceira quinta-feita do mês de novembro para a sua celebração. Relembrou-se o propósito daquela Organização: a importância do questionamento crítico, não entendido ao nível do senso comum como uma critica associada à maledicência ou com caráter positivo ou negativo, mas na aceção do termo que remonta ao grego kritikós, como a atitude de separar ou de distinguir. Atitude esta, voltada para o exame do sentido da vida e da complexidade da ação, como nos lembra Platão com a célebre expressão: “uma vida não examinada não vale a pena ser vivida pelo homem” (Apo. 38ª).

Foi a partir desta mensagem — mais do que uma filosófica atitude, uma atitude filosófica — que surgiu o convite ao filósofo João Carlos Silva, autor que, nos últimos anos, tem desenvolvido uma obra que reflete esse exame crítico, distinguindo e analisando os problemas humanos. É importante mencionar, do ponto de vista filosófico, algumas das suas obras: em 2009, Também Aqui Moram os Deuses; em 2010, A Natureza do Ponto de Vista da Eternidade; em 2015, Por Amor à Sabedoria; em 2021, Vida Examinada: A responsabilidade moral do professor de Filosofia e outros Ensaios; em 2023, Deus, Mal e o Sentido da Vida; e, neste ano, Filosofia Perene. Com base nessa experiência de ensaísta, foi também direcionado o convite, uma vez que, segundo as aprendizagens essenciais, pretende-se que “o aluno desenvolva competências de problematização, conceptualização e argumentação, culminando na produção de um ensaio filosófico”. Quem melhor que um filósofo ensaísta para apontar as estratégias para um bom ensaio?

O filósofo iniciou a sua conversa, perante uma sala composta por alunos do 10.º e do 11.º ano, referindo a racionalidade como uma distinção humana e à sua própria vocação, desde tenra idade, como questionador. Perguntas que marcaram a sua adolescência — "o que é o espaço?", "o que é o tempo?", "o que é a energia?", "o que é o movimento?" — alimentaram a sua genuína curiosidade intelectual. Foram estas questões que, mais tarde, o levaram a relacionar-se com a filosofia, após uma breve passagem pela ciência. Na procura dessas respostas, percebeu que os autores que respondiam de forma científica e filosófica preenchiam mais o seu intelecto. A cosmologia e a ciência apenas o fascinavam quando trabalhadas por especialistas em filosofia, que, com o rigor próprio da disciplina, tornavam os temas mais interessantes e profundos.

O momento de clareza aconteceu ao abrir o manual de Filosofia do 10.º ano, cujo índice o interpelava diretamente, revelando aquilo que desejava ser e fazer. Recorda ainda como a leitura de um poema introdutório de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos, presente no mesmo manual, despertou nele o espanto pelo mistério de "haver o haver".

Naquele momento, João Carlos Silva procurou no seu telemóvel o poema e partilhou a sua experiência, lendo o trecho em voz alta para os alunos e colegas:

“Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível — a de haver uma realidade,
Perante este horrível ser que é haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
— Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto construem, desfazem ou se construi ou desfaz através deles.
Se empequena!
Não, não se empequena... se transforma em outra coisa —
Numa só coisa tremenda e negra e impossível,
Uma coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino —
Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino.
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas
De todas as vidas, abstractas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar porque é um tudo,
Porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa!”
(Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (p. 94)

Os alicerces estavam lançados. As perguntas estavam feitas. Mais do que a metodologia, a filosófica atitude encontrara o seu caminho de vida.
Alguns alunos distraídos, outros atentos, fixavam-se naquelas palavras de acerto, de encontro, ainda que em reminiscência do seu próprio caminho. O filósofo lembrou que a natureza do questionamento envolve sempre um risco: revela tanto o que se sabe quanto o que se sabe que não se sabe. Afinal, "sabemos muito bem tudo até que alguém nos faça a pergunta ou perguntemos a nós próprios", comentou. Reiterou, no espírito do que a UNESCO proclama, a importância do questionamento crítico, de nos cumprirmos enquanto seres humanos pelo significado do termo Homo Sapiens, "homem sábio". Assim seja, e assim se cumpra.
Já a hora avançava quando ainda houve oportunidade para lançar algumas estratégias para a escrita do ensaio, apelando a um primeiro movimento de honestidade, de uma “necessidade interior de escuta” sobre os problemas, os temas que os alunos genuinamente queiram ver discutidos ou esclarecidos. Assim, o primeiro passo deve ser escrever sobre algo que lhes interesse, algo que os fascine, os preocupe ou os interpele.

Sem menos importância, revelou que o contacto com os alunos, enquanto professor de Filosofia, foi essencial para a sua prática reflexiva e argumentativa. Por isso, em muitos dos seus trabalhos, refere que é crucial a formulação clara do problema, muitas vezes por meio de uma pergunta. A formulação e a clareza da pergunta são fundamentais para uma boa argumentação. Depois, deve-se pensar nas hipóteses de resposta, avaliando por que se pensa de uma maneira e não de outra. Por fim, estabelecer as suas próprias considerações: quais são, para si, as melhores razões.

Ao encerrar, e com tempo para questões, surgiram algumas, como: "Como imaginaria a sua vida sem filosofia?", "Quando escolheu o caminho da filosofia, alguma vez pensou em voltar atrás?", e "Se tivesse apenas a possibilidade de ver respondida uma questão, qual seria?". Para esta última, não se pode deixar de registar a resposta de João Carlos Silva: “Por que é que tudo isto existe?”

P.G.

26.11.2024 - 11:27

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