reportagem
Barreiro - Maria Manuela Mota na «Tertúlia Augusto Cabrita
Todos os políticos deviam ser treinados para o método cientifico

“A dúvida é a certeza de amanhã. A dúvida é a certeza que vamos encontrar uma pergunta e vamos tentar encontrar resposta para essa pergunta. Isto é muito importante que seja transmitido à sociedade de um modo geral, que a incerteza não tem que ver com medo. A incerteza faz com que certos sectores da sociedade vão trabalhar nessa incerteza para encontrar uma solução para essa incerteza”, sublinhou Maria Manuela Mota, Directora do Instituto de Medicina Molecular, na «Tertúlia Augusto Cabrita.
Maria Manuela Mota, Prémio Pessoa 2013, Directora do Instituto de Medicina Molecular, foi a convidada da última «Tertúlia Augusto Cabrita», um espaço regular de debate e reflexão sobre os mais diversos temas, que se realiza na Escola Secundária Augusto Cabrita.
Maria Manuela Mota, centrou a sua intervenção numa reflexão sobre o método cientifico e como o mesmo pode ser aplicado a todas as nossas formas de decisão, especialmente aquelas que são decisões muito importantes, nomeadamente as decisões politicas que determinam a vida de todos.
Andamos à procura de perguntas
A investigadora sublinhou ao nível da ciência “andamos à procura de perguntas” e recordou que muitos questionam porque esta metodologia porque consideram que os cientistas “andam à procura de respostas”.
“Sem uma boa pergunta a resposta não é grande coisa. Nós treinamos os nossos estudantes, para saber procurar a pergunta certa, porque, sem essa base, sem sabermos como fazer a pergunta, a resposta pode ser uma tontice. Este é, um pouco, um princípio da ciência. A ciência é isso mesmo ganharmos conhecimento sobre o mundo que nos rodeia”, disse, acrescentando “a ciência é isso que faz arranjar conhecimento para tentar compreender melhor o mundo que nos rodeia”.
A certeza que o conhecimento tem qualidade
“Como é que nós encontramos esse conhecimento? E, mais do que isso: Como é que nós temos? Que nós precisamos que ele tenha, e, isso, é cada vez mais importante”, referiu Maria Manuela Mota.
Recordou que nos dias de hoje o “conhecimento é em tanta quantidade que o conhecimento é económico, é barato, nós vamos ao google e temos acesso a todo o tipo de conhecimento, mas, o que é cada vez mais importante, é ensinar onde as pessoas encontram o conhecimento de qualidade”.
Salientou que o ser humano há muitos séculos que procura entender como é que vai responder a estas perguntas – “não é algo de novo, é algo que nós temos que aprender com a história.”
Francis Bacon e René Descartes
A cientista recordou que foi Francis Bacon, o primeiro a colocar de forma clara e escrita, que nós podemos ter um conhecimento, tendo defendido que o conhecimento é baseado em conhecimentos empíricos, é baseado nos nossos sentidos, no senso comum – “nós observamos e partimos do principio que é isto que é assim, desta forma”.
No entanto, salientou que René Descartes, achava que havia outra forma, que é usar a racionlização, usar o nosso lado racional, que não era só observar, mas usar o racional para saber se aquilo podia ser, ou não verdade.
Provar que a nossa hipótese está errada
“Se nós pensarmos nestas duas teorias, uma delas é simplesmente nós observamos, escolhemos um padrão, formamos uma hipótese e formamos logo uma teoria”, salientou.
Do outro lado, referiu, temos o colocar uma teoria, que levanta um hipótese, mas essa hipótese tem que levar outra vez à observação, porque a hipótese tem que ser testada.
Estas duas possíveis teorias dão para desenhar experiências. Fazem uma teoria, que faz uma observação, para fazer uma confirmação de factos.
“O método cientifico usa os dois lados: temos uma pergunta – e o importante é colocar as questões certas- observamos, criamos uma hipótese, e, esta hipótese muitas vezes é baseada no nosso senso comum, outras vezes já é baseada no nós começarmos a pensar, usarmos a nossa capacidade racional. Aí, desenhamos as experiências para testar as hipóteses”, disse.
Sublinhou Maria Manuela Mota, “quando o método cientifico é bem aplicado, nós não desenhamos a experiência para testar que a nossa hipóteses está certa, desenhamos a experiência mais correcta que é aquela que tenta provar que a nossa hipótese está errada.”
Com a ciência, e com o rigor, disse, - “nós temos mesmo que testar se a nossa hipótese está errada, ou não.”
A dúvida é a certeza de amanhã
Como foram feitas certas teorias? Que dados existem para suportar certas teorias? Interrogou a cientista.
“A ciência não está sempre certa. A ciência naquele momento, com aqueles factos, com aquelas observações, cria uma teoria. Mas, essa teoria amanhã começa a ser testada. Observação para ter a certeza. Mas isso é uma incerteza enorme. Então nunca estamos certos. Não, estamos cada vez sempre mais certos.”, afirmou Maria Manuela Mota.
“A dúvida é a certeza de amanhã. A dúvida é a certeza que vamos encontrar uma pergunta e vamos tentar encontrar resposta para essa pergunta. Isto é muito importante que seja transmitido à sociedade de um modo geral, que a incerteza não tem que ver com medo. A incerteza faz com que certos sectores da sociedade vão trabalhar nessa incerteza para encontrar uma solução para essa incerteza.”, sublinhou.
Acreditavam que a vida podia nascer da não vida
A investigadora, na sua intervenção, regressou à história, para sublinhar aquele que foi o pai deste método cientifico, Galileu Galilei – o pai da ciência experimental, fez observações sistemáticas de fenómenos naturais e depois desenvolveu as experiências para testar as suas teorias, fez cálculos e construiu instrumentos para testar as suas observações.
Por outro lado, referiu “o método da ciência biológica”, desenvolvido por Pasteur.
Recordou que durante séculos existiu o conceito que a vida surgia de forma espontânea, - “há poucos séculos acreditavam que a vida podia nascer da não vida, acreditavam que os ratos podiam nascer da sujidade.”
Pasteur pela observação, pela experimentação, comprovou que um micróbio não pode aparecer em matéria não viva.
É por isso que temos que treinar os nossos alunos, os políticos a questionarem-se, não é só a agir sem pensar, é questionar, desenhar, pensar, testar – “é muito importante testar” - não ter problema de estar errado e partir para uma nova teoria – “isto foi o que Pasteur fez”.
A cientista salientou que “a vida vem de vida, não há vida sem vida, a vida surge sempre da vida”, assim como “o conhecimento só surge do conhecimento”.
Cientistas - não temos problemas de estar errados
Maria Manuela Mota, sublinhou que tudo o que referiu tem a ver com a necessidade de “ter pensamento critico, questionar, mas neste questionamento ter ética, o facto de nós desenharmos as experiências para provar que a nossa hipótese está errada é um dos princípios éticos da ciência, é partir do principio que nós estamos errados”.
Sublinhou que os cientistas são treinados para estar errados – “não temos problemas de estar errados”.
Maior parte das doenças era causadas por agentes externos.
De novo regressando à história, recordou que no ano 1800, a esperança de vida na europa era de 39 anos, neste tempo, a Rainha de Inglaterra tomava banho, uma vez por ano.
Em 1950, a esperança de vida em Portugal era de 59 anos, em Espanha 63 anos, França acima dos 70 anos.
Foi Pasteur, foi Robert Koch que demonstraram que a maior parte das doenças era causadas por agentes externos.
Sublinhou que esse facto fez com que as pessoas tomassem mais banho, começassem a lavar as mãos, os próprios médicos começassem a lavar as mãos. Até aos séculos XVIII e XIX não se sabia o que eram doenças infectocontagiosas, só na passagem do século XIX para o inicio do século XX, com isso surgiram vacinas e antibióticos.
Sabemos agora que no nosso corpo temos mais células não humanas ( são bactérias, são vírus que vivem connosco), que células humanas. São triliões de bactérias que vivem no nosso intestino.
“Esta é dos últimos cinco anos, toda a gente estava convencida que os nossos pulmões eram estéreis. Os pulmões não são estéreis, também temos a mesma quantidade de triliões que temos no nosso intestino, mas estão em termos de bactérias e são super importantes”, disse.
Sabemos hoje que um co-relação entre uma boa microbiótica e doença como o Alzheimer, doenças neurológicas, não sabemos exactamente como acontece mas existe uma co-relação, tudo isto está hoje a ser investigado numa nova área que se diz microbiologia.
A nossa democracia é muito pouco transparente
A cientista salientou que devia ser ensinado como um conceito, uma forma de estar na vida, por todas as pessoas que toma decisões por todos nós, de tomarem decisões baseadas somente no senso comum, ser habituado depois do senso comum a testar, estar preparados para o erro.
“Um líder muitas vezes não admite que esteve errado, porque sabe que vai perder as próximas eleições. Ele não quer perder, obviamente, não admite. A nossa democracia é muito pouco transparente. Nós não fazemos a mínima ideia como os nossos lideres tomam a decisão.
Era importante que nós em sociedade percebêssemos que método eles usam para tomar decisões. As decisões deviam ser explicadas”, salientou.
“Todos os políticos deviam ser treinados para o método cientifico”, afirmou.
A sociedade tem que compreender a importância da ciência
A encerrar Maria Manuela Mota recordou o papel da ciência dando o exemplo da sua importância na recente pandemia tendo num período de um ano e pouco criado uma vacina eficaz, que está a ser distribuída apelo mundo.
Apesar deste tempo assustador e dos resultados, por exemplo que num ano ainda morrem 288 mil crianças com malária – “continuamos a não dar valor à ciência” , “a ciência vive num mundo um bocadinho cinzento”.
A ciência funciona como as raízes e o sol, está lá, só quando precisamos é que nos lembramos.
Temos que começar a explicar às pessoas porque a ciência é importante, é cara, é difícil de explicar, mas o seu conhecimento, salva milhões e milhões de vidas.
Só há ciência hoje porque houve ciência antes e se não houver ciência hoje não teremos a ciência necessária no futuro.
“A sociedade tem que compreender a importância da ciência”, salientou.
“Não há nenhuma solução usada na medicina, hoje em dia, que não tenha sido por base uma descoberta, muito básica, que a maior parte dos cientistas não tinha a noção da consequência. Há sempre um ponto zero.”, disse.
António Sousa Pereira
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23.02.2023 - 00:41
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