reportagem

Barreiro - «Drink de fim de tarde» sobre Jornalismo
Cada vez há mais média e cada vez há menos jornalismo

Barreiro - «Drink de fim de tarde» sobre Jornalismo<br />
Cada vez há mais média e cada vez há menos jornalismo . O jornalismo contribui para a corrosão da democracia.

. Há necessidade de uma imprensa pública que garanta um serviço mínimo de jornalismo relevante

Os jornalistas têm salários baixos, são essencialmente precários, têm níveis de abandono na profissão enormes, trabalham horas e sobre pressão de tal forma, terrível, que têm problemas sérios de burnout profissional, e, crescentemente, há trabalho subcontratado a pessoas que não fazem parte das redacções.

Na Cooperativa Cultural Popular Barreirense, realizou-se o «Drink de fim de tarde», tendo como tema: «Jornalismo, (des)informação e fake news. Quem diz a verdade merece castigo?».
Foram convidados Sandra Monteiro, directora do Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, que abordou o tema o "jornalismo como problema da democracia", e, Pedro Tadeu, jornalista, que analisou a temática "a liberdade de imprensa em Portugal e na União Europeia".
O "Drink de Fim de Tarde" é uma iniciativa que tem vindo a realizar-se, com regularidade na Cooperativa Cultural Popular Barreirense, com moderação de André Carmo.

Há silenciamento de vozes à esquerda

Na abertura da sessão Eduardo Santos, presidente da direcção da Cooperativa Cultural Popular Barreirense, sublinhou a importância destes debates para a valorização da democracia.
André Carmo, moderador do debate, referiu o papel do jornalismo, no que diz respeito a equacionar as relações entre – política – poder – verdade. Recordou que o jornalismo é o quarto poder e tem o papel na sociedade de “desocultar a verdade” e promover a “consciência critica”.
Na sua intervenção alertou para a falta de pluralismo no jornalismo português.
Referiu o facto de ao nível de comentadores os que existem são maioritariamente de direita, quer na rádio, quer na TV, ou no jornalismo on line – “há silenciamento de vozes à esquerda”, disse.
André Carmo, sublinhou que existe a politização do jornalismo, e defendeu que “o bom jornalismo é sempre contra-poder”.

Discurso ideológico mais uniforme e menos pluralista

Pedro Tadeu, analisou a temática "a liberdade de imprensa em Portugal e na União Europeia", começou por salientar que a Liberdade de Imprensa, em Portugal, começou com o 25 de Abril, recordando que há 50 anos o jornal “República”, na primeira página tinha, em rodapé, a frase: “Este jornal não foi visado por qualquer Comissão de Censura”, a comissão que estava ao serviço do regime deposto, que controlava o que era publicado na comunicação social, funcionando com o lema – “nada contra a nação”.
A sua intervenção centrou-se numa reflexão sobre os mecanismos que existem e condicionam o mundo concreto do jornalismo.
Pedro Tadeu, referiu as muitas alterações que ao longo destes 50 anos se registaram no país, no mundo, no âmbito da comunicação social, sublinhando que tendo findado a censura e o exame prévio, Portugal tendo entrado na União Europeia, o nascimento das rádios e televisões privadas, o aumento de meios de comunicação social, a revolução que a internet provocou, com tudo isto, a técnica jornalística se modificou, valorizando a produção de notícias, mas, ao nível ideológico – “tornou o discurso ideológico mais uniforme, menos pluralista e menos diverso”.

A luta para controlar a informação não parou

Pedro Tadeu, recordou que visão que a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras, tem sobre a liberdade de imprensa, nos nossos dias, em Portugal, é bastantes positiva, embora já tenha sido melhor, acrescentando que, para esta organização, a liberdade de imprensa é um problema num todo mundial.
Na sua opinião, a liberdade de imprensa, existente não é suficiente para ter sociedades com uma cidadania informada e esclarecida.
Na sua opinião, “a luta para controlar a informação não parou”, porque, “a liberdade de imprensa, só por si, não garante a liberdade”, sublinhou que há “uma insuficiência de liberdade de imprensa no mundo”, e, referiu que a liberdade de imprensa, na prática, está a diminuir na União Europeia, porque os padrões de liberdade de informação têm vindo a degradar-se.

Quase todo o jornalismo que se faz é puramente comercial

Pedro Tadeu, salientou que, apesar das leis que asseguram a liberdade de imprensa, quase todo o jornalismo que se faz é puramente comercial, e, esta característica leva a que o jornalismo de grande informação só pode ser feito com base em grande investimento financeiro, que não está ao alcance de qualquer um, por isso, na sua raiz o jornalismo de grande informação, está sempre dependente do grande investimento de capital, inevitavelmente, por muita resistência que haja pela parte dos jornalistas, acabam pore depender directa ou indirectamente dos interesses de quem detém o capital.
Por outro lado, referiu que as elites financeiras e políticas que tradicionalmente tinham capital para investir no jornalismo, estão a fugir deste investimento, sobretudo porque a sua capacidade de influência e a sua eficácia do jornalismo está a ser perdida para as redes sociais.
No caso de Portugal as empresas no jornalismo têm resultados financeiros muito pobres, com prejuízo enorme para o capital investido, ou com resultados positivos alavancado em excesso de dividas à banca, o que as torna dependentes do poder e dos interesses dos grandes grupos financeiros.

Verdadeira informação parece não ter relevância

Os jornais só passam a interessar ao capital na medida em que consigam influenciar as redes sociais, disse.
Pedro Tadeu sublinhou que essa é a batalha actual, porque parece que a verdadeira informação parece não ter relevância e passa à margem dos jornalistas, e, não podemos conformarmo-nos com essa realidade.
Ninguém precisa de ser contra a liberdade de imprensa, salientou, se essa batalha pela informação e pela propaganda se travar noutro campo, que não é o campo da imprensa tradicional.

Uma imprensa pública que garanta um serviço mínimo de jornalismo relevante

Pedro Tadeu, referiu que, face à incapacidade generalizada, há mais de duas décadas, de a informação comercial privada, sobretudo no domínio da imprensa, não assegurar viabilidade económica dos seus projectos, considerou essencial que seja garantido aos portugueses o acesso ao direito à informação, que está constitucionalmente consagrada.
Neste contexto, defendeu que deve ser encarado e discutir-se que uma parte da imprensa tenha um cariz público, não comercial, que não dispute o mercado publicitário.
Uma imprensa pública, que garanta um serviço mínimo de jornalismo relevante, independente, ao serviço da soberania nacional e do povo português.
Finalizou expressando uma pequena esperança que os jornais e jornalistas existentes, reforcem o seu compromisso com a verdade, ou, dizendo melhor, com as várias verdades, próximos da realidade, porque só assim a liberdade de imprensa fará sentido.

Clarificar entre o que é mediático, o que não é jornalismo

Sandra Monteiro, directora do Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, abordou o tema o "jornalismo como problema da democracia", referindo a necessidade de clarificar entre tudo o que é mediático, o que não é jornalismo, porque é comunicação, mas, ou é entretenimento, ou trabalho de agências de comunicação, que tem muito a ver com propaganda, ou de fundações, que enviam para os jornalistas trabalho já feito, estudos e, depois, os jornais dizem todos a mesma coisa, sem avaliar, investigar, e, nestas situações, não houve trabalho jornalístico, houve apenas uma reprodução, sendo, depois, isso que vai para as redes sociais.

Situação que se vive no jornalismo não é nova

Sandra Monteiro, na sua intervenção, abordou o que considera serem os problemas do jornalismo e da democracia, numa visão em dois sentidos: primeiro, as condições de produção, de financiamento, de execução do trabalho pelos jornalistas, e, pelos órgãos em que estão envolvidos; segundo, como o jornalismo está a causar um problema à democracia – “é participante da corrosão da democracia” e “é co-criador da extrema destruição democrática que estamos a assistir”.
Na sua opinião, a situação que se vive no jornalismo não é nova, tem vindo a acumular-se há imenso tempo, e, o problema dos jornalistas não é especifico desta classe profissional, assim como o problema das empresas de comunicação, das estruturas que tentam fazer jornalismo, não é especifico destas.

No jornalismo há problemas sérios de burnout profissional

O que existe no jornalismo existe, em sintonia com os problemas que existem na sociedade, disse Sandra Monteiro.
Os jornalistas têm salários baixos, são essencialmente precários, têm níveis de abandono na profissão enormes, trabalham horas e sobre pressão de tal forma, terrível, que têm problemas sérios de burnout profissional, e, crescentemente, há trabalho subcontratado a pessoas que não fazem parte das redacções.
Temos uma massa cada vez maior de jornalistas, a trabalhar em condições que se aproximam do que está a acontecer a todos os trabalhadores, em todas as profissões.

O «bem público da informação» deve ser intermediado pelos jornalistas

Na sua intervenção, defendeu que, o «bem público da informação», deve ser intermediado pelos jornalistas, tendo por objectivo que as pessoas sejam informadas, que haja um tratamento da informação abrangente das realidades nacionais, regionais, internacionais, uma informação que permita no seu conteúdo, estarem presentes e visíveis as escolhas, uma informação que permita a cada cidadão fazer as suas escolhas politicas, ou outras escolhas de vida.
O jornalista deve, na informação proporcionar material parra que os cidadãos possam fazer as suas escolhas. Sandra Monteiro, considera que é nesta dimensão da crise da intermediação, que existem os problemas para a democracia.
Sublinhou que, já é um problema para democracia termos pobreza, desigualdades, problemas de saúde mental ou outras e problemas de desemprego.

Cada vez há mais média e cada vez há menos jornalismo

Defendeu que faz falta a existência de um jornal de propriedade pública, porque a propriedade importa.
Recordou que o jornalismo entrou numa crise do modelo de financiamento, vivia no modelo assente na publicidade, esta começou a diminuir e migrou para as redes sociais ou para as plataformas digitais.
Sandra Monteiro, salientou que o espaço mediático é cada vez mais média, e, cada vez menos jornalismo.
Dentro dos média, há cada vez mais comentário politico enviesado, com comentadores e cada vez com menos jornalismo. Esta realidade motiva que as pessoas estão cada vez mais, a viver numa cidadania fechada em bolhas, nas redes sociais, e, não são confrontadas com pontos de vista diferentes, com classes sociais diferentes, com modos de ver o mundo diferentes, e, era, isso que o jornalismo devia mostrar.
Na sua opinião, hoje, é tudo muito emocional. É um modelo como o de debate de futebol, no extremar posições.

Jornalismo contribui para a corrosão da democracia.

Sandra Monteiro, referiu a finalizar, como o jornalismo é co-criador da crise da democracia, deu vários exemplos, nomeadamente, quando veicula informação que não corresponde à realidade, como foi o caso da guerra do Iraque, das politicas de austeridade, da Guerra da Ucrânia, ou quando valoriza certas personalidades politicas, dando-lhe visibilidade que não corresponde ao seu peso eleitoral, ao mesmo tempo que exclui outras personalidades de maior relevo, assim, retira protagonismo a quem tem mais representação politica, com tudo isto o jornalismo deu um salto no seu contributo para a corrosão da democracia.

António Sousa Pereira
TE – 180
Equiparado a Jornalista

10.08.2024 - 21:29

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