reportagem
Teatro Municipal do Barreiro
Teatro Arte Viva ou quando teatro é alegoria à vida
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A peça «Perplexos» é teatro em todas as suas dimensões. O texto é deslumbrante, nele está inscrita a força do logos, na energia que as palavras expressam, de forma serena, afirmando uma interpretação filosófica das vivências que marcam as relações quotidianas da actualidade. Uma leitura sociológica, psicológica, que ri perante a vida e pensa a vida com conteúdo – filosofia.
Um olhar por dentro de uma sociedade de consumo que se consome. A humanidade em busca de si mesma, entre as mensagens platónicas da eterna “República”, de Platão, e, também, o encontro com o super homem de Nietzsche que matou aquele que não existia, e se não existia, como é que podia ser morto. Interroga o autor. Rimos. Damos gargalhadas e por dentro das gargalhadas pensamos. É esta a beleza de um texto teatral, essa que coloca no espaço cénico as palavras a saltitar entre os personagens, e, ali, entre risos e emoções, proporcionam a quem vê, que sinta, uma verdadeira hermenêutica de conceitos, de causas e contradições que marcam a história da humanidade, de ontem e de hoje, aliás, muito especialmente nos tempos em que se opta por gerir emoções, fabricar sentimentos, e, apenas, fomentar a sociedade de consumo. É nesta amalgama de significantes e significados, que sentimos, vibrar a energia do teatro, arte viva – uma alegoria à vida.
Mas, na verdade, o texto, só por si, é texto e apenas texto. O texto faz-se teatro, quando as palavras ganham vida, na dicção e na interpretação dos actores, são eles, que dão vida às palavras, que fazem nascer os personagens. Agarram as palavras ao corpo. Vestem as palavras por dentro, na mimica, nos olhares, nos silêncios. E nós, com eles, voltamos a rir, rimos, no lado de cá, da tal parede que não existe, mas por vezes está lá, a separar o teatro da vida, ou a dizer-nos que a vida é uma alegoria ao teatro. Nesta dimensão, a arte dramática faz-se poesia, faz-se vida, a florir na beleza dos gestos, nos figurinos, nos gestos que achamos absurdo ou naqueles que sentimos com naturalidade. Tudo é normal, e, o mais prático se não queremos ter inquietações é colocar os resíduos por baixo do sofá.
Depois, tudo tempo resolve. Naquele ritmo deslumbrante, de personagens que se vestem e despem em cena, de “eus” e “tus", que grande energia sentimos a pulsar nas vivências do Alexandre, na Catarina, na Sara e no Vítor. Actores. Personagens. Fazem-nos rir e pensar com os próprios vazios que são silêncios que gritam. Estatuas. Esculturas. Esta é a beleza, a dimensão estética do teatro, pois, indo ao encontro de Platão, é o seu pathos. O jogo de afectos.
Por fim, a encenação de Carina Silva, no jogo de luz e sombras, de construção e desconstrução do espaço cénico, no movimento de actores, da sonoridade, por vezes absurda. Tudo faz sentido. É, sem dúvida, uma encenação que também é uma “personagem viva” parece que sentimos, por trás da parede um olhar que está lá a observar, a escutar, a sentir a pensar, porque sabe que teatro é um todo, um conjunto que se agita, um turbilhão de gestos que dão vida à vida, fazendo da vida teatro e do teatro a vida. São escolhas. O que vestimos. O que nos apaixona. Os acasos. Metáforas. Porque escolhemos estar aqui? Aquele momento de desconstrução do espaço cénico é brilhante, nesse instante sentimos outra dimensão do teatro porque já não estamos na peça, estamos no ensaio, no outro lado do espectáculo, a tal parede quebra-se e o público, então, faz-se actor do teatro e da vida. Nesse momento, ficamos sem vontade de rir, em silêncio, sem máscaras, sem personagens, apenas sentimos a vontade de pensar. Esta, afinal, a dimensão ética do teatro. Ah, sim, recordando Platão é o ethos. E, tudo isto, pensando com Darwin, é a evolução das palavras.
Parabéns Arte Viva. Valeu a pena. E, se me permitem, com aquela sala cheia como estava ontem, digo-vos, deviam permitir que mais pessoas tivessem a oportunidade de ver esta magnifico espectáculo, para ali puderem, sem stress, pensar e rir ás gargalhadas.
António Sousa Pereira
TE – 180
Equiparado a Jornalista
Fala de Vítor
"Imagina que no princípio todos os seres humanos só tinham um olho, a e era suficiente, dava para ver tudo. Mas depois, de repente, nasceu uma aberração, com dois olhos.
Toda a gente pensou: que nojo. Mas a aberração via melhor e era a primeira a ver o tigre-dente-de-sabre, e a aberração fugia a correr e os normais, os que só tinham um olho, eram devorados."
Sinopse
As férias, os casais, os filhos, as empregadas, Darwin e a lei do mais forte, a sombra nazi ou uma festa temática estão presentes nesta espécie de comédia de costumes assombrada por Pirandello.
FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA
Autor Marius von Mayenburg
Tradução Ricardo Braun
Encenação Carina Silva
Interpretação Alexandre Antunes, Catarina Santana, Sara Santinho e Vítor Nuno
Assistência de Encenação Rita Reis
Cenografia João Pimenta
Figurinos Ana Pimpista
Música e Sonoplastia Fast Eddie Nelson
Luminotecnia João Oliveira Jr. e Carina Silva
Operação Técnica Maria Inês Santos
Design Gráfico João Pimenta
Produção Executiva Catarina Santana
Contrarregras Raquel Nunes e Sofia Proença
Fotografia e vídeo de promoção do espetáculo Cláudio Ferreira
Apoio Cenográfico Pratical Team Solutions e António Santinho
Apoio Geral João Henrique Oliveira
96ª produção da ArteViva – Companhia de Teatro do Barreiro
12.04.2025 - 19:21
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