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A GUERRA DO UCRÂNIA OBSERVADA DO PONTO DE VISTA GEOSTRATÉGICO
Por Agostinho Costa
. Texto Integral da Tertúlia de «Os Leças» - Barreiro
Da parte da Federação Russa, o objetivo político está muito para além da Ucrânia, direcionado para impor ao ocidente alargado uma nova Arquitetura de Segurança na Europa.
1. DELIMITAÇÃO DO TEMA
O tema em análise “A Guerra do Ucrânia Observada do Ponto de Vista Geostratégico” convoca-nos a uma reflexão sobre as profundas alterações no ambiente securitário a que temos assistido, não apenas no continente europeu, mas também no Médio Oriente e no Indo-Pacífico, onde se avolumam tensões e agravam os riscos de confrontação. Vivemos uma conjuntura de profunda mudança, com visíveis impactos no ambiente de segurança. Alguns autores têm vindo a referir de que “mais do que uma era de mudança estamos a viver uma mudança de era”.
A questão central do tema que nos foi proposto analisar refere-se ao conflito que opõe a Ucrânia à Federação Russa. Cada uma das partes está alavancada numa constelação diferente de apoios, com o mundo ocidental ao lado do Kiev e com as principais potências euroasiáticas e o Sul Global numa postura que varia do apoio aberto à Rússia ou a uma neutralidade ativa que acaba por beneficiar este país.
Este conflito não pode, contudo, ser desligado do contexto global da confrontação que atualmente se desenha entre o chamado ocidente alargado e um conjunto de potências que desafiam a designada ordem internacional baseada em regras. Estas potências, reunidas em torno dos BRICS, propõem como alternativa a transição para um sistema multipolar e policêntrico, onde a hegemonia do ocidente liderado pelos EUA e a ordem internacional saída do final do período da Guerra Fria, sejam substituídas por um contexto internacional diferente. Consequentemente, para se compreender o conflito que atualmente grassa no Leste da Europa, há que ter presente o contexto global onde se insere o do Médio Oriente e o clima de pré-guerra que se vive na região do Indo-Pacífico em torno da questão de Taiwan.
O atual contexto securitário não se subsume apenas ao plano das ameaças, alargando-se também ao domínio de riscos de natureza existencial que poderão representar catalisadores para o clima de conflitualidade e acrimónia crescente em que nos encontramos. Ben Rhodes, antigo subsecretário de Estado para a Comunicação Estratégica da Administração Obama, num artigo publicado recentemente na revista Foreign Affairs, intitulado “A Foreign Policy for the World as It Is”, sublinha que independentemente de quem for em 2025 o inquilino da Casa Branca, terá necessariamente que dar resposta a três preocupações: impedir uma guerra mundial; mitigar a aceleração da atual crise climática; lidar com o processo de desenvolvimento tecnológico, nomeadamente nos domínios da Inteligência Artificial.
Qualquer cada uma destas três questões desenvolve-se no plano global, tendo subjacentes riscos de ordem existencial para a humanidade, requerendo vontade da parte dos decisores políticos para encontrar consensos e estabelecer os normativos legais necessários para garantir a efetividade dos processos.
Em última análise, para que as tensões que se têm vindo a acumular no sistema internacional durante este conturbado período de transformação em que vivemos não se saldem por uma tragédia, que ponha em causa o modelo de civilização assente no primado do respeito pela Dignidade Humana e do Estado de Direito, mas igualmente a sobrevivência da própria espécie humana.
Existe a perceção de que o processo de globalização atualmente apresenta dinâmicas distintas das de há uns anos atrás, nomeadamente na dimensão económica. A ascensão da Ásia, em particular da China, levou a uma revisão dos conceitos e a um esforço para reverter a deslocalização da capacidade produtiva do ocidente para a Ásia. A atual palavra de ordem é “reindustrialização”, com o desígnio de esboroar dependências e colmatar as fragilidades que a recente pandemia do Covid-19 trouxe à superfície.
Esta tendência é acompanhada pela progressiva antagonização da China, principal destino de deslocalização das indústrias do ocidente. De virtuosa fábrica do mundo passou para a condição de “parceiro negocial, competidor estratégico e rival sistémico” da União Europeia. Do outro lado do Atlântico a Estratégia de Segurança Nacional da atual administração norte-americana classifica a China como “apresentando o desafio geopolítico mais importante para os EUA”. O aumento das tensões no Indo-Pacífico permite perspetivar que, a prazo, a China poderá vir a ser classificada como uma ameaça.
O tema é vasto requerendo um esforço de síntese. Focalizar-nos-emos na análise dos fatores de tensão, nos planos geopolítico e geoestratégico, bem como nos catalisadores que poderão conduzir a situações sem retorno, com efeitos irreversíveis.
2. CARATERIZAÇÃO DO AMBIENTE DE SEGURANÇA
Antonio Gramsci definiu Crise como uma situação em que “o velho já morreu e o novo ainda está para nascer, sucedendo-se, entretanto, um conjunto de factos mórbidos”. Esta era a definição perfeita para descrever a Ordem Internacional vigente até 23 de fevereiro de 2022, com toda a panóplia de ingredientes da confrontação híbrida que se agudizou após 2008, com a Cimeira da NATO de Bucareste e a intervenção da Federação Russa na Geórgia, com antecedentes no discurso de Vladimir Putin na Conferência de Segurança de Munique do ano anterior. Presentemente já não estamos em crise, mas em conflito, em todas as dimensões, agora também na dimensão militar.
Para descodificarmos a situação atual, os conflitos em curso na Ucrânia e no Médio Oriente, e um terceiro teatro de operações em estado de pré-confrontação na região de Taiwan, é imprescindível revisitar a Geopolítica, um domínio do conhecimento que esteve votado ao ostracismo pelas más memórias associadas a conceitos como “espaço vital” e Mitteleuropa.
É obrigatório revisitar a teoria geopolítica do britânico Halford Mackinder sobre o conceito de Heartland, de “ilha mundial” e das “áreas pivô”. O pensamento do geopolítico norte-americano Spykman, com o conceito de Rimland, que integra a área pivô, representando o controlo dos mares quentes que contornam o Heartland. Reler o long telegram de George Kennan que inspirou a política norte-americana de contenção da URSS durante a Guerra Fria. Não menos importante, revisitar o pensamento geopolítico do polaco Józef Pilsudski, nomeadamente os conceitos de Prometeísmo e Intermarium que espelham o impulso para leste da Aliança Atlântica, estando o último institucionalizado pela “Iniciativa dos 3 Mares” e “Grupo 9 de Bucareste”.
Não deixa de ser extraordinário que o pensamento geopolítico do início do século passado continue a inspirar as políticas do presente. A geografia não muda e a história é sempre determinante na construção das identidades nacionais e do imaginário dos povos.
Tem sido na área pivô de Mackinder e no Rimland de Spykman que se têm processado os principais conflitos das últimas décadas – do conflito da Coreia ao do Vietnam, das Guerras no Afeganistão às dos Iraque. É também aí que se localizam três importantes teatros de operações – o Europeu, o do Médio Oriente e o do Indo-Pacífico. São espaços prioritários para os EUA, a superpotência que venceu a Guerra-Fria e moldou o sistema internacional à sua imagem e aos seus interesses, na senda da profecia do “Fim da História” de Fukuyama.
Ben Rhodes, no artigo anteriormente citado, refere que a “rules-based international order” já não existe. A Rússia e a China têm-se encarregado de apresentar uma alternativa. Os próprios EUA, no plano comercial e industrial têm vindo a distanciar-se dos mecanismos de globalização instituídos durante o pós-Guerra Fria. Potencias como o Brasil, a India, a Turquia e os Estados do Golfo adequam as suas parcerias em função das circunstâncias e dos seus respetivos interesses. A questão do apoio à Ucrânia galvaniza essencialmente os países ocidentais. Enquanto a ordem anterior se vai desagregando, novos blocos emergem em alternativa.
No plano económico o consenso de Washington culminou na crise financeira que galvanizou populismos contra elites consideradas alheadas da realidade. A banalização do recurso a sanções económicas e a saturação da utilização do Dólar como meio de coação aceleraram o processo de desdolarização em curso. Concomitantemente, as preleções sobre democracia já suscitaram maior entusiasmo nas audiências dos países da maioria global.
Tudo isto agravado por uma crise moral provocada pela passividade do ocidente perante a tragédia na palestina, a desvalorização das instituições internacionais, nomeadamente as da Organização Universal (ONU), com destaque para a hostilidade em relação ao Tribunal de Justiça Internacional e ao Tribunal Penal Internacional, nos processos movidos contra a atuação de Israel em Gaza.
3. FATORES DE TENSÃO E CATALIZADORES DE RISCO
São vários os fatores de tensão que caraterizam a atual conjuntura geopolítica e geoestratégica internacional, que paulatinamente têm vindo a dar azo a situações de risco potencial de confrontação direta entre atores com capacidade para empregar armamento nuclear, que julgávamos fora dos horizontes de um processo de decisão racional.
O primeiro fator de tensão que é causa e consequência do quadro preocupante em que nos encontramos é o resultante dos sucessivos atropelos ao Direito Internacional e aos princípios do Direito Internacional Humanitário, que a serem observados teria havido alternativas Diplomáticas à invasão Russa da Ucrânia e não assistiríamos à carnificina causada pelas tropas de Netanyahu em Gaza, na Cisjordânia e no Líbano.
No Médio Oriente, o exército israelita demonstra ineficácia nos combates contra o Hamas em Gaza, sendo incapaz de concretizar, ao fim de um ano de combates, nenhum dos objetivos declarados. Lançou-se, entretanto, numa aventura no Líbano com os resultados que estão à vista e que plasmam a ofensiva de 2006 que se saldou por um desastre. Entretanto perspetiva-se a retaliação ao ataque iraniano de 1 de outubro, que poderá resvalar para um conflito regional ainda mais alargado. A perspetivar-se o pior cenário, de uma espiral retaliatória com envolvimento direto do Irão no conflito e uma potencial ameaça existencial para Israel, seremos confrontados com o risco de o conflito culminar na designada “Samson Option” – uma retaliação com armas nucleares por Israel, ao abrigo da doutrina nuclear deste país.
No teatro de operações da Ucrânia o nível da confrontação atingiu um patamar impensável há dois anos e meio atrás. Acumulam-se fatores de tensão, decorrentes de ambiguidades estratégicas de eficácia duvidosa, de jogos de poder difíceis de descodificar e de excessos de confiança desfasados das respetivas capacidades estratégicas.
Não estão apenas em causa interesses vitais e questões existenciais para os dois beligerantes. Está também em disputa o controlo de recursos minerais com um valor colossal estimado. No dizer do Senador norte-americano Lindsey Graham os recursos minerais da Ucrânia representam 13 Triliões de dólares, dos quais 50% estão nos territórios na posse dos russos.
Parece ter-se mergulhado num misto de delírio e desespero, mesmo de ridículo e de burlesco, como se este conflito, que conta com centenas de milhares de baixas, fosse mais uma série da Guerra dos Tronos. A fantasia em que enveredámos não é patente apenas no dress code dos atores, mas no facto de continuamos vinculados a uma realidade que já não existe, repetindo continuamente as mesmas receitas à espera de resultados diferentes e aplicando conceitos velhos a situações novas.
Neste domínio, a má notícia é continuarmos a considerar o emprego das Armas Nucleares com base nos prossupostos da doutrina da Guerra-Fria, do MAD (mutual assured destruction), assente num compromisso de 1978 assumido pelas potências nucleares na Assembleia das Nações Unidas desse ano, de não utilizar estas armas contra Estados não-nucleares, que criou as bases para o Tratado de Não-Proliferação.
Na Revisão da Postura Nuclear dos EUA realizada em 2010 esse princípio desapareceu, passando a considerar a possibilidade do emprego destas armas em resposta a um ataque com armas convencionais, químicas ou biológicas. As subsequentes revisões da doutrina norte-americana alargaram o campo das hipóteses, nomeadamente como resposta a ciberataques.
Recentemente Pranay Vaddi, diretor de controlo de armamento do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, referiu que entrámos numa nova era para as Armas Nucleares, na qual os EUA deixarão de colocar restrições aos quantitativos da respetiva colocação.
A resposta de Moscovo não se fez esperar com Putin a anunciar uma revisão da doutrina de dissuasão nuclear da Federação Russa, na qual passou a constar a possibilidade de ataque nuclear a Estados que não sendo potências nucleares sejam, no entanto, apoiados por potencias nucleares. Trata-se de uma clara alusão à utilização pela Ucrânia de misseis capazes de atingir a profundidade do território da Federação Russa, cujo emprego implica a intervenção direta de países como o EUA, a França e o RU, todos potências do clube nuclear. O génio saiu da lâmpada, resta-nos aguardar para gerir as consequências.
Sem o propósito de efetuar prospetivas, mas tão somente analisar tendências, as recentes declarações do presidente da Rússia, acompanhadas com as démarches que realizou na Coreia do Norte e no Vietnam e que se perspetiva que venha a concretizar a muito curto prazo também com o Irão, indiciam a consolidação de novos blocos geopolíticos, geoeconómicos e geoestratégicos.
Vladimir Putin declarou o fim da arquitetura de segurança Euro-Atlântica e a sua substituição por uma alternativa centrada no espaço Euro-Asiático, desafiando a hegemonia do Ocidente. Enquadrou esse desígnio num imperativo de reforma das instituições internacionais, a começar pelas Nações Unidas, com um novo desenho do Conselho de Segurança que espelhe a realidade internacional atual e onde África, a América Latina e a Ásia terão que ter representação. Putin vaticinou uma nova Ordem Internacional, uma espécie de novo Tratado de Vestefália.
O futuro joga-se presentemente nos campos e nas cidades do Donbass, com particular destaque para a ofensiva em curso dirigida para Pokrovsk, principal centro logístico da frente ucraniana do Donbass, que passou de área da retaguarda para frente de combate na sequência de um avanço russo sem precedentes. Também em Kupiansk, Zaporizizia e Karkiv, ao longo dos 1.200 km da frente de combate, a pressão do exército da Federação Russa faz-se sentir, perspetivando-se a transição da postura de defensiva estratégica, adotada após goradas as negociações de Paz de Istambul, de março de 2022, para uma ofensiva estratégica de larga escala, transitando da atual guerra de atrito para uma guerra de manobra, à medida que os sintomas de colapso do exército ucraniano se forem intensificando.
O “plano da vitória” apresentado por Zelensky em Washington e Bruxelas e nas várias capitais europeias, subsume-se a um objetivo – a entrada da Ucrânia para a NATO. Indicia a situação de emergência em que o país se encontra, com o exército russo em plena ofensiva a caminho do Dniepre, o desastre da intervenção ucraniana em Kursk e o inverno a aproximar-se com o país reduzido a 20% da sua capacidade de produção de energia, em resultado dos ataques russos que destruíram a quase totalidade das centrais termoelétricas do país.
O epílogo do desespero dos dirigentes ucranianos emerge agora com a ameaça deste país produzir armas nucleares, que foi veiculada através do jornal alemão Bild. Citando fontes daquele país, é referido que o ocidente está demasiado preocupado com as linhas vermelhas do Kremlin, mas que deveria ter também em conta as de Kiev, num claro tom de ameaça e chantagem ao ocidente. O ultimato ucraniano é – a entrada na NATO em alternativa à posse de armas nucleares, com o argumento de o país ter prescindido das que estavam aí estacionadas até à assinatura de Memorando de Budapeste, em 1994 e, consequentemente, à adesão do país ao Tratado de Não Proliferação.
Kiev omite, no entanto, que os códigos de lançamento das armas nucleares posicionadas na República Socialista da Ucrânia, tal como em outras repúblicas soviéticas, estiveram sempre na posse de Moscovo. Foi essencialmente por pressão norte-americana que estas armas foram desmanteladas, eliminando assim o risco de o plutónio poder cair em mãos menos recomendáveis, atento o quadro de caos e corrupção que o país e todo o antigo espaço soviético, viveram na década de noventa do século passado.
Por outro lado, a Ucrânia atualmente não reúne as capacidades tecnológicas necessárias e condições objetivas para produzir armas nucleares, quer porque não dispõe de centrifugadoras para enriquecimento do material radioativo, como sequer dos meios de lançamento de armas desta natureza. O risco que se poderá colocar é o da produção do que se designa por uma “bomba suja”, i.e., de um artefacto explosivo produzido à base de material radioativo recolhido do lixo nuclear das centrais ucranianas, associado a uma carga convencional e que ao explodir poderá contaminar uma determinada área geográfica. Ora isso não é uma arma nuclear na verdadeira ascensão do termo.
4. CENÁRIOS DE EVOLUÇÃO - CONCLUSÕES
O conflito que opõe a Ucrânia à Federação Russa, onde o ocidente alargado é parte envolvida em todos os domínios, inclusive no âmbito das operações de combate por via do apoio ao planeamento, preparação e condução da manobra nos planos estratégico e operacional, encontra-se num momento decisivo, embora presentemente pouco favorável aos propósitos inicialmente vaticinados – de impor uma derrota estratégica à Rússia e, para o efeito, assegurar o apoio à Ucrânia “as long as it takes”.
No plano político a narrativa passou da decisão do conflito no campo de batalha, como inicialmente vaticinou Josep Borrell, para a de assegurar as condições à Ucrânia para obrigar Putin a sentar-se à mesa das negociações em condições favoráveis à Ucrânia. O resultado foi o fiasco da primeira Cimeira da Paz, realizada na Suíça em junho de 2024, em torno de um plano que não era mais do que um caderno de encargos para a capitulação da Rússia e para o qual não convidaram tampouco este país. Para uma segunda cimeira nem se vislumbram países candidatos à sua organização, nem a Rússia manifestou interesse em estar presente.
No plano económico, que representava o principal eixo estratégico do conflito, as sanções à Federação Russa revelaram-se um absoluto fracasso, provocando um efeito de ricochete nos seus promotores, em particular nos países da União Europeia, como atestam os indicadores económicos que mostram que a economia da Rússia está em muito melhores condições do que a europeia, a começar pela da Alemanha que enfrenta uma situação de estagnação/recessão. A apropriação dos ativos russos congelados, que por agora se subsume aos rendimentos resultantes desses ativos, terá efeitos a longo prazo na credibilidade do sistema financeiro ocidental e na confiança nas suas instituições com óbvias repercussões na fuga de capitais das instituições europeias e norte-americanas. Confere validade ao processo de desdolarização em curso por parte dos BRICS e ao progressivo afastamento da economia global do controlo ocidental.
No plano militar o ocidente alargado confronta-se com um dilema estratégico. Como refere Bob Woodward no seu livro “War”: “se não conseguirmos expulsar a Rússia da Ucrânia, permitiremos que Putin concretize as suas intenções; se os expulsarmos do país arriscamos uma guerra nuclear, uma vez que Putin nunca admitirá retirar sem empregar as armas nucleares. Logo, estamos num impasse. Demasiado sucesso implica uma guerra nuclear, poucos resultados acarretam incompreensíveis consequências de longo prazo”.
Neste racional, no entendimento daquele autor, o estado final mais favorável para os EUA seria, ou Putin aceitar um congelamento do conflito, ou aguardar-se por uma qualquer circunstância que provoque a quebra da Rússia por dentro.
Da parte da Federação Russa, o objetivo político está muito para além da Ucrânia, direcionado para impor ao ocidente alargado uma nova Arquitetura de Segurança na Europa.
No teatro de operações da Ucrânia, no plano militar, o estado final desejado não é completamente percetível, no entanto, sendo ponto assente que os objetivos imediatos são a tomada do Donbass, como primeira prioridade militar e a expulsão das forças ucranianas que ainda estão no Oblast de Kursk, como tarefa em curso a concluir no curto prazo.
Seguir-se-á, muito provavelmente, a conquista dos territórios dos Oblasts de Kherson e Zaporizhzhia ainda na posse dos ucranianos e, eventualmente, uma pressão para atingir o Dniepre, como limite histórico do império russo. Chegar à Transnístria, ocupar toda a frente marítima, com Odessa e os portos do Mar Negro, e assegurar um corredor terrestre que permita a ligação do corredor comercial chinês (Belt and Road) à Hungria e à Eslováquia, poderá estar nas intenções do Kremlin, nomeadamente entregando a região da Transcarpátia a Budapeste. Resta saber se os russos têm capacidade para tal e se após passarem o Dniepre não terão que enfrentar outras forças que não apenas o exército ucraniano.
Sobre os potenciais desenvolvimentos no plano global, com impacto na Ordem e Arquitetura de Segurança Internacionais, que irão emergir do processo de mudança em curso, sublinham-se as seguintes ideias-força:
O conflito da Ucrânia será o principal catalisador de mudança, com especial impacto na União Europeia e no vínculo transatlântico (NATO). As eleições de novembro nos EUA terão necessariamente impacto na evolução/conclusão do conflito.
A situação no Indo-Pacífico, nomeadamente a questão de Taiwan, tenderá a evoluir em relação direta com os desenvolvimentos do conflito na Europa.
O conflito do Médio Oriente tenderá a ser um teatro de operações subsidiário da confrontação entre Grandes Potências, com vista a desgastar o soft power norte americano e exaurir recursos.
A América Latina continuará na senda da afirmação das potências regionais, acentuando-se a tendência para expurgar eventuais réstias da Doutrina Monroe, com novos realinhamentos.
O risco de confrontação nuclear, com emprego de armas nucleares táticas, seja no Médio Oriente ou na Europa, é uma possibilidade real, tendo em conta a evolução em ambos os teatros de operações.
A transição para uma nova Ordem Internacional Multipolar, com polos alinhados segundo vínculos de ordem geográfica ou afinidades de natureza cultural, é um efeito emergente do atual clima de confrontação e do desgaste da Ordem Internacional do pós-Guerra Fria.
O espaço da lusofonia, pela dimensão territorial e demográfica dos principais Estados, índice de desenvolvimento económico e potencial relevância no contexto internacional, poderá constituir-se como um polo relevante com vértices em Brasília, Luanda e Lisboa.
Os atropelos ao Direito Internacional e ao Direito Internacional Humanitário decorrentes da atual conjuntura, atestam não só a respetiva relevância, como acentuaram a perceção da necessidade do reforço do papel das Nações Unidas, do respeito pela Carta e o imperativo do retorno a um Sistema Internacional regido não meramente por regras, mas pelo Direito.
Lisboa, 20.10.2024
Agostinho Costa
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10.11.2024 - 08:47
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