opinião
UTIB
Universidade da Terceira Idade do Barreiro
. UM PROJECTO IRREVERSÍVEL
Por Artílio Vasco Batista
O papel social é tanto mais de considerar quando se verifica que muitos dos nossos candidatos chegam até nós por recomendação dos seus médicos de família e/ou especialista de diversas áreas da medicina. Em encontros das UTI’S tem sido afirmado que ao alunos destas instituições reduzem em cerca de 20% os medicamentos que consumiam.
« No início não havia caminho, mas nos lugares por onde as pessoas passavam, umas depois das outras, os caminhos surgiram.»
Lu Xun
Este ano de dois mil e sete é o quinto da existência da Universidade da Terceira Idade do Barreiro (UTIB). Os caminhos que, então, surgiram permitiram-nos realizar sonhos sonhados, perspectivar novos caminhos que paulatinamente se tornaram mais seguros, mais abertos onde a esperança emerge como resultado dos encontros fraternos , da redescoberta e reinvenção de cada um de nós nas práticas do quotidiano desta escola de solidariedade que queremos se eternize e se constitua como património sócio - cultural a transmitir às gerações futuras. Utopia? Sim! Mas no conceito preconizado por Herbet Marcuse que a considera não como algo que é impossível de realizar, mas aquilo que se encontra obstruído temporariamente pelo poder estabelecido. As nossas utopias não podem deixar de existir sob pena de estagnarmos, de pararmos no tempo.
Estes cinco anos foram marcados por fases distintas de um processo em construção permanente, no qual experienciámos formas de recusa de pertença ao número dos indivíduos que se consideram mortos e morrem, através do combate ao isolamento e à solidão, estabelecendo relações estruturadas e estruturantes com o intuito de desenvolver a resiliência no sentido definido por Micael Pereira: « uma capacidade universal que permite a uma pessoa, um grupo ou uma comunidade impedir, diminuir ou superar os efeitos nocivos da adversidade.»; o exercício integrador e pedagógico do voluntariado; a troca de saberes protagonizada por alunos e professores e as práticas de solidariedade nos convívios cada vez mais frequentes e profícuos, são formas de reinvenção e redescoberta que cumprem as condições para desenvolvimento dessa capacidade.
Elaborar um apontamento que contribua para a história da UTIB constitui um imperativo de inegável importância. Com efeito, os testemunhos registados desde os momentos iniciais, nos quais se forjou o projecto, passando pelas vicissitudes, quer organizativas quer curriculares quer, ainda, no que respeita a reorientações dos planos de actividades de lazer activo importa como exercício de reflexão objectivando adequações necessárias às exigências emergentes. Faremos aqui um esboço muito simples que, para além do mais servirá para estimular a elaboração de um trabalho indispensável e útil a todos os estudantes universitários que têm investigado a UTIB no âmbito de teses de mestrado e de licenciatura.
« O projecto Universidade da Terceira Idade do Barreiro – segundo Amílcar Romano, ex-vereador e fundador da UTIB – surgiu como um desafio mas, também, pela percepção de uma necessidade que se tornava premente a nível do Barreiro: (…) a partir do momento em que uma determinada faixa da população deixava de ter uma situação de trabalho regular, passando à condição de reforma, não tinha qualquer tipo de respostas ou de alternativas nem de envolvimento, que permitisse que essa grande massa humana pudesse continuar a ser útil na sua comunidade ou que pudesse realizar sonhos que, até esse momento, não tinham sido possíveis de realizar pelas responsabilidades profissionais e pelas limitações que isso colocava. Por outro lado existia um certo isolamento impeditivo de um maior convívio entre as pessoas, porque os círculos de conhecimentos se circunscreviam à área de residência ou espaço de trabalho. Ora, depois desta constatação e depois de esta necessidade estar mais que identificada, teria inevitavelmente de existir uma resposta que fosse ao encontro dos desejos de muita gente e, neste caso, um desejo que alteraria formas de vida, criando novas expectativas e permitindo uma avaliação mais positiva num quadro funcional que seria novo.»
Este excerto, subtraído de uma entrevista de Teresa Damásio a Amílcar Romano em Maio de dois mil e quatro, remete - nos para a ideia que está subjacente à origem do projecto UTIB, o primeiro e único, tanto quanto sabemos, criado por uma Câmara Municipal direccionado para a população do Concelho numa lógica de igualdade de oportunidades para todos: «...revolucionar mentalidades e alterar as formas de estar de uma boa parte da população. Este era o principal objectivo: dinamizar.»
Após a constituição de uma equipa inicial de seis pessoas e do estabelecimento de contactos com diversas Universidades da Terceira Idade de Lisboa e de outros pontos do país, através dos quais se recolheram experiências e orientações para conceber e desenhar o projecto UTIB garantimos, desta forma, a emergência das condições, consideradas necessárias, para materializar a ideia e apresenta-la à população.
Foi o que aconteceu em vinte e oito de Outubro de dois mil e dois, aquando da data da celebração do Dia Nacional do Idoso, quando a Câmara Municipal do Barreiro decidiu apresentar publicamente o projecto que – segundo as palavras do então presidente Emídio Xavier – tem por objectivo « o convívio entre idosos, a ocupação dos seus tempos livres, num ambiente de fraternidade, sociabilização e solidariedade.».
No dia seguinte, nas instalações da CMB, na Rua Miguel Bombarda, conhecidas pela “ Câmara de Pau “, instalou-se um gabinete de atendimento que teve um papel relevante quer no recrutamento de alunos, quer ainda, em contactos e convites a professores que aderiram ao projecto como voluntários. Ali se fizeram as primeiras inscrições de alunos que tinham à sua disposição uma estrutura curricular que contemplava:: Língua portuguesa e Literatura; Línguas estrangeiras; Expressões Artística; Educação Física; Ciências Sociais; Novas Tecnologias da Informação e Comunicação e Ciências Exactas.
Em 17 de Dezembro de 2003, o Dr. Francisco Gouveia, inaugurou a actividade da UTIB com uma Aula Aberta subordinada ao tema: « A saúde na Terceira Idade ». Em 18 de Janeiro de 2003,o professor Orlando Nunes, elabora uma proposta para os traços gerais do regulamento interno da UTIB e, em 19 de Fevereiro do mesmo ano, no Auditório do Centro de Formação de Professores do Barreiro sedeada na Escola Básica D. Luís Mendonça Furtado, aconteceu a Sessão Oficial da Abertura do Ano Lectivo de 2002/2003 e a primeira aula regular de informática e novas tecnologias.
Uma outra data que vai marcar um importante momento histórico da UTIB é o 4 de Abril de 2003: a primeira aula do Coro da universidade sob a responsabilidade de maestrina ucraniana Olga Panchenko que contou com a presença de 20 alunos. A primeira actuação aconteceu, no auditório da Biblioteca Municipal, em 30 de Junho de 2003, no final de uma aula aberta.
No dia 10 de Maio de 2003 realizou-se a primeira visita de estudo às minas do Lousal. Dessa visita foi produzido, pelo professor Orlando Nunes, um filme que foi exibido no almoço do encerramento das actividades do ano lectivo de 2002/2003 realizado na SDUB “ Os Franceses” com a presença de 200 pessoas (alunos, professores e autarcas).
O primeiro ano da UTIB tinha acontecido. Amílcar Romano, Leal da Silva, Orlando Nunes, Alexandra Ruivo e Teresa Damásio foram pioneiros do projecto UTIB que movimentou 262 alunos e 20 professores voluntários. O balanço apresentou resultados positivos e as expectativas para o segundo ano impunham um período de reflexão para reformular objectivos, alterar procedimentos, rever as idades de admissão e preparar o previsível acréscimo de candidatos a alunos e, concomitantemente, estabelecer contactos com novos professores a fim de satisfazer a procura suscitadas pelos discentes.
Aproveitaram-se as férias para o debate, proceder ao diagnóstico das questões organizativas, tendo em conta as responsabilidades emergentes do projecto (único no nosso país) de uma Universidade da Terceira Idade integrada no Departamento de Educação e Cultura de uma Câmara Municipal.
Como resultado da reflexão encetada nasceu um documento, apresentado em Novembro de 2003, que propunha uma a mobilização de um corpo de voluntários, com capitais profissionais e associativos de diversos níveis de competência para, juntos com os funcionários da CMB, adstritos ao projecto UTIB, garantir as sinergias exigidas para a situação previsível do desmesurado crescimento a médio prazo. Por outro lado, preconizava-se um aumento dos recursos materiais e humanos de acordo com a complexidade organizativa emergente da acentuada procura. Uma outra questão resultava da detecção da singularidade do projecto UTIB no que respeita à sua composição social e adequar o atendimento à diversidade dessa composição.
Adiou-se o debate e o cumprimento dos objectivos preconizados pelos documentos de Orlando Nunes e o assinado por Artílio V. Batista e Luís Cunha (Doc. de Novembro 2003). Os impedimentos resultaram sobretudo da falta de articulação entre os voluntários e funcionários do Departamento de Educação e Cultura mas, também pelo improviso imposto pela falta de recursos materiais e humanos e o crescimento de alunos, entretanto verificado.
Este breve apontamento (esboço) histórico do primeiro ano da UTIB objectiva o registo de momentos importantes mas, acima de tudo, procura lançar o repto a todos os que possuam dados para completar e enriquecer o que será uma história mais elaborada dum projecto que, em boa hora, foi corajosamente criado e levado à prática com efeitos socialmente reconhecidos.
Abandonemos a história do primeiro ano do projecto UTIB. A sua realidade apresenta-se, hoje, diferente e os problemas emergentes apelam para uma reflexão que não abdica da análise histórica dos outros anos da sua existência. Para isso esperamos que cheguem, ao Centro de Documentação, em reorganização, os contributos (documentos, recortes da imprensa, fotografias, etc.) que certamente estão na posse de professores e alunos que viveram todos estes anos a realidade do projecto UTIB. Com eles ficaremos mais ricos e, assim, a nossa história valorizada.
Entre o primeiro e quinto ano de vida da UTIB, aconteceram importantes transformações, quer no que se relaciona com o número de alunos, o número de disciplinas (só este ano inauguramos: Introdução à Pintura; Filosofia, Psicologia, Economia, Teatro, Introdução à Música.) bem como o número de professores que constituem uma das partes importantes do corpo de voluntários. Assim, poderemos referir que a realidade do universo de alunos inscritos se situa em cerca de 1 200; o de professores em cerca de 60 para leccionar perto de meia centena de disciplinas previstas para o ano lectivo de 2007/2008 em que iniciaremos: Arte de Dizer, História Contemporânea, Cultura Geral, Nutricionismo e Yoga.
As aulas abertas, conferências, os chamados Encontros no Convento e as celebrações dos anos mundiais e internacionais do calendários da UNESCO ( Dias Internacionais da Poesia, da Tolerância, da Música, do Idoso, da Mulher) são exemplos, entre outros, que nos habituamos a comemorar não só com os alunos, mas direccionados para a comunidade em geral e a escolar em particular com quem temos levado a cabo importantes eventos de intercâmbio privilegiando-se as acções de preservação da memória colectiva.
Também a nível da tipologia dos candidatos a alunos, a UTIB, não só admite pré-reformados e reformados, mas abriu as inscrições aos desempregados que, normalmente apresentam patologias de ordem psicológica mais acentuadas que as categorias sócias atrás referidas. O número de viúvos e divorciados são, igualmente objecto de atenções específicas dadas as situações de isolamento e solidão que os afecta. A UTIB de hoje tem uma dimensão social mais relevante e constitui-se com importante agente de desenvolvimento da resiliência no sentido já referido no início deste nosso escrito.
O papel social é tanto mais de considerar quando se verifica que muitos dos nossos candidatos chegam até nós por recomendação dos seus médicos de família e/ou especialista de diversas áreas da medicina. Em encontros das UTI’S tem sido afirmado que ao alunos destas instituições reduzem em cerca de 20% os medicamentos que consumiam.
Os resultados expostos dizem bem da importância social e estruturante para a nossa sociedade do trabalho que aqui se produz. A reorganização do voluntariado e a sua articulação com a Divisão de Educação e Bibliotecas e, também, com a da Cultura e Assuntos Sociais, têm apresentado resultados que explicam a realização, com inegável sucesso, dos últimos eventos.
O Coro, o Teatro e a Dança de Salão são exemplos paradigmáticos. Estas três disciplinas, para além de terem produzido um espectáculo pluridisciplinar, estiveram presentes em espectáculos realizados fora dos espaços da CMB. O CORUTIB, esteve em Fátima, Beringel, no Minho (encontro internacional de Coros da Universidade do Minho) e, em Albufeira, no encerramento das actividades do ano lectivo da Universidade de Albufeira para a Terceira Idade, só para referir algumas das suas deslocações. Por sua vez, a Dança de Salão tem actuado em diversas Freguesias do Concelho e de Concelhos limítrofes.
Mas, também, as parcerias com outras instituições escolares e associativas têm sido coroadas de assinalável êxito (Dia Mundial da Poesia com a SFAL, Poetando com a Cooperativa Cultural P. Barreirense, Venham mais Cinco com a Escola Secundária dos Casquilhos e, ainda, a participação na VI Feira Pedagógica e nos Bombeiros da Salvação Pública com a Escola Augusto Cabrita, completam os exemplos que perdurarão na história da nossa universidade, cumprido o primordial objectivo da ligação da UTIB à comunidade).
Tudo o que referimos faz parte de uma história que está em construção. O projecto UTIB é irreversível. Para essa irreversibilidade têm contribuído os Conselhos Directivos de todas as escolas secundárias do Conselho, a Associação dos Bombeiros da Salvação Pública, A Cooperativa Cultural Popular Barreirense, o Gimnoparque e o Prof. Luiz Santos, o Futebol Clube da Quinta da Lomba, o Paivense, as Juntas de Freguesia da Verderena e de Coina, a Quinta do Porto da Ramagem e todos os órgãos de comunicação social que difundiram momentos diversos da nossa existência. Todos, ao fim e ao cabo, fazem parte integrante da nossa história e têm importante papel na nossa existência. Uma existência feita de ilusões, de sonhos. Ilusões no sentido referido por Bento de Jesus Caraça: « … as ilusões nunca são perdidas. Elas significam o que há de melhor na vida dos homens e dos povos. Perdidos são os cépticos que escondem sob uma ironia fácil a sua impotência para compreender e agir; perdidos são aqueles períodos da história em que os melhores, gastos e cansados, se retiram da luta, sem enxergarem no horizonte nada a que se entreguem, caída uma sombra uma sombra uniforme sobre o pântano estéril da vida sem formas. Benditas as ilusões, a adesão firme e total a qualquer coisa de grande, que nos ultrapassa e requer. Sem ilusão, nada de sublime teria sido realizado, nem a catedral de Estrasburgo, nem as sinfonias de Beethoven, nem a obra imortal de Galileo.» ( in Conferências e Outros Escritos, Bento de Jesus Caraça).
Artílio Vasco Batista
21.7.2007 - 15:27
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